“Trabalhar para poder estudar e estudar para poder trabalhar”. A competitividade no futuro mercado de trabalho leva os universitários do Direito a ter uma jornada dupla: durante o dia trabalham e à noite estudam ou vice versa. Essa famosa dicotomia entre estudo e trabalho não é de hoje. Durante os anos 70 acadêmicos como Ophelina Rabello, pesquisadora da Unicamp, já discorriam sobre o tema.
Para Rabello, a conciliação dessas duas atividades pode ser possível, mas só é desejável se o trabalho estiver relacionado com o processo educativo, isto é, se houver “integração entre conhecimento e ação, teoria e prática, informação e formação, democratização e eficácia, desenvolvimento econômico social e maturidade individual, diálogo e metodologia didática”.
Hoje em dia, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continua, os jovens de 19 a 24 anos que estudam em instituições privadas e trabalham aumentou de 45,4% em 2016 para 48,3% em 2019. Entretanto, o trabalho nem sempre é sinônimo de carteira assinada e suas garantias, de estabilidade ou de salário no final do mês.
Trata-se de um tema sensível e, nesse sentido, como abordar o velho direito civil, a função social e a responsabilidade social da justiça do trabalho após a reforma trabalhista aprovada em 2017 que intensifica a “uberização”, a “iFoodizacao”, os estágios, os contratos temporários, a terceirização… enfim, a precarização do trabalho?
É necessário atentar para a oposição entre a precarização e a responsabilidade social. Conforme se verifica, há normas orientadoras de responsabilidade social das empresas, como a ISO 26000, em que há pressupostos para a certificação, tais como: Comportamento ético; Respeito pelo Estado de Direito; Respeito pelas Normas Internacionais de Comportamento e Direito aos humanos.
No mesmo sentido, vale discutir o caráter facultativo do Decreto 9571 de 2018, por meio do qual se estabeleceram as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos para médias e grandes empresas. Garante itens como a obrigação do Estado com a proteção dos direitos humanos em atividades empresariais; responsabilidade das empresas com o respeito aos direitos humanos; acesso aos mecanismos de reparação e remediação para aqueles que, nesse âmbito, tenham seus direitos afetados, além de implementação, o monitoramento e a avaliação dessas Diretrizes.
Sendo os principais afetados pela falta de responsabilidade social das empresas, inclusive à margem da legislação, é fundamental que os alunos e alunas de Direito tenham consciência da violação de seus próprios direitos. E a ferramenta essencial para aproximá-los e fazê-los compreender a importância da justiça do trabalho é utilizar o cotidiano dos próprios discentes.
Conforme ressalta a professora doutora Raquel von Hohendorff, do programa de pós-graduação em direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, trabalha-se muito mais com regulação relativa a estágios ou com o tema da “uberização”, temas próximos às suas realidades.
No plano do real, o estudante tem de optar em escolher estudar para a prova ou receber a remuneração por duas corridas completas, por exemplo
Certamente podemos afirmar, a partir desse e de outros exemplos, que a terceirização e outros processos de precarização não atendem a esses requisitos mínimos de convergência entre trabalho e estudo – o jogo é simples: se não trabalha, não recebe!
Por isso. em um cenário de discussão acerca do fim da Justiça do Trabalho, o mercado vai passar a exigir a ISO 26000 e as medidas do decreto 9571 de 2018? Haverá adequação? As empresas precarizantes sairão do mercado abrindo um novo mercado dos certificados? Ou os jovens não poderão estudar, tampouco se preparar para o mercado de trabalho?
Estamos falando de futuro e o aprimoramento da prestação jurisdicional pela Justiça do Trabalho, com decisões que visem à não precarização são fundamentais. Afinal, o próprio direito civil no Art. 442 elenca que a liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.
A luta contra a barbárie causando o retrocesso social passa sim pela Justiça do Trabalho – com a efetividade da prestação jurisdicional.
Cabe à universidade, juntamente com os operadores do Direito, construir alternativas à precarização dos contratos, até porque dentro de uma nova ética empresarial, as precarizações não se sustentarão.
A luta contra a barbárie chama a necessidade de reflexão aos atuais e aos futuros profissionais e aos do direito e a necessidade, sim, de a universidade ser novamente um polo de desenvolvimento de uma doutrina anti-barbárie a ser aplicada pela Justiça do trabalho.
Sejamos instrumentos de luta contra a barbárie através de nossas ações no nosso dia a dia. Hasta la vitoria siempre!
Artigo publicado na revista Carta Capital.
Daniel von Hohendorff, é Advogado e sócio do escritório DVH & Advogados Associados
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