Duas servidoras que atuam no prédio da Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (Smed) foram nomeadas na última semana como dirigentes de um colégio na Zona Norte. Acontece que a escola só existe no papel. A obra começou em 2015, mas nunca foi concluída, nunca teve alunos, está abandonada e depredada, após a empreiteira contratada para fazer o prédio deixar o trabalho incompleto.
A escola, projetada para Educação Infantil e nunca aberta, é a Colinas da Baltazar, situada na Rua Lages, 124, bairro Parque Santa Fé, junto ao Rubem Berta. A vegetação tomou conta de parte do prédio em construção.
As duas servidoras designadas para cargos diretivos na escola inacabada são Carla Inez Lima de Freitas Anele, como diretora, e Nissia Fortes Sauer, como vice-diretora. Ambas são concursadas e exercem função de confiança na Smed. Carla é coordenadora financeira e Níssia trabalha no gabinete da secretária de Educação, Janaína Audino. Ao serem nomeadas para cargos diretivos em escola, elas ganham direito a função gratificada (FG).
Níssia participa da Comissão Permanente de Sindicância da Smed. Ou seja, uma das funções dela é investigar irregularidades na secretaria. Entre os assuntos que geraram sindicância está o de obras em escolas — e ela acaba de ser nomeada para cargo em um dos colégios inacabados.
O Ministério Público de Contas, ao saber das nomeações, promete abrir expediente para investigar a legalidade da distribuição dos cargos na escola inacabada. O Grupo de Investigação da RBS (GDI) procurou auditores do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Um deles, no anonimato (por que não há expediente aberto para análise), analisou o caso:
— O erro é as FGs serem nominadas como diretora e vice-diretora, pois só poderiam ser exercidas por quem executa essas funções. Se a escola não existe, essas funções não deveriam ser preenchidas. Se a escola ficou inacabada, os cargos deveriam ser extintos. E, se fosse o caso, criar novas funções para as atividades que as escolhidas vão desempenhar. Tudo aparenta ser um desvio de finalidade, funções inadequadas para remunerar as servidoras.
Prédio depredado e abandonado
A Colinas da Baltazar é uma das sete escolas inacabadas herdadas pelo prefeito Sebastião Melo de outras gestões. O prefeito confirma que muitos desses estabelecimentos educacionais não têm condições de conclusão, pelo longo tempo transcorrido desde o início das obras e a deterioração em que se encontram. Por isso, ele decidiu não concluir a maioria e vai comprar vagas em escolas privadas.
No decreto organizacional da Smed para 2022, a escola não aparece. Ou seja, não existe e não está nos planos do governo municipal concluí-la.
O GDI esteve no prédio onde deveria funcionar a Colinas da Baltazar. Na falta de aulas, a escola virou local de moradia de três famílias, que possuem parentesco entre si. Uma delas, de um ex-vigia da obra, reside há pelo menos seis anos no colégio. No prédio, o mato tomou conta. Pouca coisa resta inteira.
Residente na escola com outros familiares, a dona de casa Hilda dos Santos Garcia relata que ladrões sumiram com diversos equipamentos do prédio:
— Levaram quantidade de coisa daqui. Esquadrias de janelas, portas, vidraças, azulejos, fios.
Um genro dela era vigia no prédio. Quando a empresa largou as obras, ele ficou. Ainda espera acertos trabalhistas pelos serviços feitos. Morando há tempos na escola, a família da dona Hilda até improvisou uma churrasqueira no meio do pátio.
Dois moradores do bairro, que residem ao lado da escola, confirmam que a obra está inacabada há anos e que ladrões carregam tudo que podem. Eles consideram uma vergonha e uma decepção para a comunidade o prédio ter ficado inacabado e desocupado.
— Cheguei há 14 anos no bairro e a obra estava começando. Nunca terminou. Tinha até uma placa com o valor investido pela prefeitura, não lembro quanto era. Os ladrões levaram até a placa — reclama a vendedora Rita Abreu, que reside ao lado da escola.
CONTRAPONTOS
O que diz a Smed:
A assessoria de imprensa da secretaria confirma que as servidoras em questão são concursadas, professoras da rede municipal e exercem funções gratificadas (FGs). Como as funções já estão criadas e pertencem à Smed, são de livre nomeação e atribuição, não havendo nenhum impeditivo legal para tal ação. As FGs foram usadas pela necessidade da atribuição pela responsabilidade das funções que as servidoras assumiram, sem que houvesse outras FGs disponíveis. Já está em tramitação, junto à Secretaria Municipal de Administração e Planejamento (Smap), a mudança da identificação destas FGs, para que descrevam as funções que as servidoras exercem na secretaria.
Como na última quinta-feira a prefeitura extinguiu a escola Colinas da Baltazar e as funções das duas funcionárias já estavam previstas, elas serão redistribuídas agora de acordo com a estrutura vigente. A Smed, nos próximos dias, publicará uma instrução normativa regulamentando essa reorganização, com realocação dos cargos das duas servidoras.
O que diz a secretária municipal de Educação, Janaína Audino:
Após a publicação da reportagem, a secretária municipal de Educação, Janaína Audino, procurou GZH e afirmou que a nomeação das servidoras é um processo é normal. Ela diz que a instrução normativa 001/2022, que foi publicada nesta segunda-feira (24) no Diário Oficial de Porto Alegre (Dopa) e deve constar na edição desta terça-feira (25), é um mecanismo padrão utilizado no poder público para ajustar a nomenclatura dos FGs:
— Os cargos estavam previstos na antiga estrutura, mas, como a escola não foi concluída na gestão anterior, retiramos ela e os cargos voltaram para a secretaria. É uma análise muito técnica e muito tranquila. Não teve nenhum benefício para nenhuma pessoa. Muito pelo contrário, estamos em um momento de organizar essas estruturas.
O que dizem as servidoras nomeadas para cargos diretivos na escola inacabada:
Níssia Sauer disse que não vai comentar o assunto. Carla Anele não deu retorno à reportagem.
Fonte: GZH
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