E a polarização ideológica chegou ao ensino da Língua Portuguesa. Projeto de lei, na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, proíbe o emprego da linguagem neutra. Fosse ter algum efeito na vida real e na formação estudantil por que os chefes de executivo, prefeito, governador ou presidente, não redigiriam emenda à Constituição, propondo a proibição de empregar expressões como “falemo, nós fumo e se dé vortemo “ no lugar de “falamos, nós fomos e se possível voltaremos “ , ou , “Ontuvai?( do verbo ‘ontuir’, conheces ?) no espaço de “aonde tu vais?”. A emenda incluiria também o emprego obrigatório de mesóclise sob pena de multa de um salário mínimo a cada vez que a colocação pronominal estivesse errada: “Dir-se-á que a vereadora tem futuro” e não “se dirá que a vereadora tem futuro “ ! Aliás, pode o pronome estar errado em seu emprego ?
Senhoras e senhores, não existe certo ou errado em linguagem, como nos ensinou Celso Pedro Luft. O que há é a linguagem e seus usos, seus níveis diversos de atuação! A língua é viva, dinâmica , o que dissemos hoje, já não falaremos amanhã: tu sabias que a palavra formidável ( digno de forma) já significou horrível e hoje significa exatamente o contrário ? Dois princípios, pois, rapidamente: o princípio da variação linguística e o princípio da adequação linguística ( esta a primeira aula de linguística na faculdade de Letras). O primeiro princípio, o da variação, apenas descreve o que vivemos nos diversos níveis de emprego da Língua: culta, coloquial, popular, técnica , gíria ( a neutra insere-se aqui, por ora) , regional , literária, da internet. E o segundo princípio orienta para o desenvolvimento do domínio da Língua! Preciso estudar a Língua Regional Gaúcha ? Preciso estudar a Língua jurídica ou a Língua da oficina caso seja graduado em direito ou tenha me preparado para ser mecânico de automóvel, respectivamente? Preciso aprender expressões de gíria que já convivem comigo no meu grupo de amigos ? Não! Precisamos estudar a língua culta - e esta é a função da escola - para alcançarmos todos os níveis de adequação! E eu devo sim me apropriar de todos os níveis de linguagem a fim de me adequar ao interlocutor da vez! Neste sentido, tu consideras correto o emprego da Língua Culta diante de uma pessoa que só domina o nível popular, por exemplo? Linguagem também é um exercício de poder! Um rico engenheiro solicitou um serviço de jardinagem e, pronto o serviço, foi cobrado pelo humilde jardineiro, que não teve oportunidade de estudos:
- o Seor pode me pagá? - Pagar-te-ei amanhã! , respondeu em uma velocidade desconcertante. Sem entender exatamente o que foi dito, o jardineiro insistiu: - Seor sabe que fiz tudo bem dereitinho, fiz os cantinhos do cantero, ficou bem bão…eu queria vê com o Seor se pode me pagá ?
Contrariado, mas dando se conta intuitivamente do princípio da adequação linguística, o rico engenheiro, reafirma que só pagará amanhã, mas desta vez exclui a mesóclise:
- Certo, passa aqui amanhã que vou te pagar !
A língua é viva e não há quem possa dar ordens sobre ela. Mesmo os gramáticos normativos sabem que apresentam as regras para que tenhamos um padrão culto a ser considerado. Mas sabem também que a língua, uma vez descrita conforme o uso, respeita os dois princípios referidos. Sabemos, por fim, fazendo uma analogia , que não iremos à formatura de calção e sem camisa como igualmente não iremos à beira da piscina de beca e toga! Não iremos usar a língua culta, empregada no discurso de formatura, na festa entre amigos e parentes para comemorar tal conclusão do curso!
Assim, para não virar textão (humm …e o princípio da adequação? Estou nas redes sociais!), concluo apenas dizendo: não tem vereadora ou vereador capazes de determinar o que devemos fazer ou não no uso da língua !! Ninguém manda! O único senhor da língua é quem a utiliza no momento da comunicação! E se , ao usar a língua , alunos, alunas , alunes, tu alcançares a comunicação desejada, terás sido adequado linguisticamente e terás atingido o único objetivo da existência da língua: o de comunicar !! A língua é nossa, democrática, diversa, múltipla, nos faz rir e nos faz chorar , encanta e surpreende, e é também suficiente para informar o que é ideologia! Logo, nós, professores e professoras de linguagens, não precisamos de nova lei municipal, ou mesmo federal, para ensinar e aprender a Língua Portuguesa, todos os dias, nas salas de aula do nosso imenso e diverso Brasil!
Nado Teixeira, é Professor de Português, Redação e Literatura formando em Letras, na PUC-RS, Pós-Graduado em Ciência Política, na Ulbra, Mestre em Teoria da Literatura, pela UNB, de Brasília e doutor em Ciências Sociais na Unisinos
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