O vermelho das meias do senhor bispo lhe deve ter subido às reverendíssimas faces, quando sua excelência viu no jornal o título da matéria sobre a efeméride religiosa da quinta-feira passada: “Corpus Christi mais uma vez enxuto e virtual na região”.
Ente virtual Jesus Cristo nunca deixou de ser. Mas o tom concupiscente, que a gíria empresta ao adjetivo “enxuto”, soa sacrílego, quando se trata de personagem com atributo de divindade, na doutrina cristã.
O corpo de Cristo enxuto. Sim, é isso que está escrito. Donde terá seu redator tirado isso? Onde terá ele visto Jesus peladão? Em alguma revista de erotismo? Ou terá sido numa tarde de sol escaldante em Copacabana, cujo calor nem Jesus Cristo foi capaz de aguentar e se meteu dentro duma sunguinha, daquelas que dá vontade de sair assobiando atrás?
Sim, senhores. Não existe outra maneira de descrever o corpo de Jesus Cristo como enxuto, se não for assim: peladão ou metido em sunguinha enfiada no rego. Aqui no solo gaúcho, isso não aconteceria, com esse frio de renguear cusco. Se aparecesse, Jesus Cristo abrigaria seu corpo debaixo de um bom pala, tecido com lã de ovelha do Alegrete.
O jornalista de ontem não precisava de diploma em faculdade, porque o ensino secundário proporcionava cultura, nessa incluído o ensino do latim que, ao lado do talento, formava os embriões dos verdadeiros profissionais do jornalismo.
Hoje, porém, é diferente. As dedicadíssimas professoras alfabetizadoras ensinam a juntar as letras, para dar som e sentido ao vocábulo. Mas, muitos não passam disso, porque a arte da escrita é fruto do talento e não do ensino. Ninguém ensina ninguém a escrever com sarcasmo, ou com elegância e propriedade. Diante disso, a incumbência precípua das faculdades de jornalismo deveria ser a de prover seus alunos da cultura necessária para o exercício da profissão. Por exemplo, ensinando que a declinação, em latim, supre o uso do artigo definido.
Assim, não haveria sacrilégios capazes de arrancar, até da boca de ateus, a suplicante exclamação de Jesus Cristo: “perdoa-lhes, Senhor, porque não sabem o que fazem”.
João Eichbaum, é escritor e cronista
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