As Emancipações dos Distritos de São Leopoldo - 3ª Parte
Mesmo trocando de século, permaneciam sendo disponibilizados para os leopoldenses momentos de lazer, entretenimento, vivências de sociabilidades, e desfrute junto à natureza, algo que se praticava no século anterior na Chácara Schmidt. Algo que podemos entender como busca por qualidade de vida.
Na condição de Intendente, o trabalho e o perfil de visionário de João Corrêa ficam bastante nítidos na sua incansável busca por recursos para bancar a construção da Usina Hidrelétrica da Toca e do Inferno. Para alavancar o projeto, precisava reunir a quantia de dois mil contos de réis, depois de obter autorização da Assembleia Legislativa para contrair esse empréstimo. Na sua peregrinação em busca do dinheiro, com os empresários do município não conseguiu levantar todo o capital necessário. O Governo do Estado avalizava tal empréstimo. Mas a questão era conseguir o montante necessário, e nesse momento João Corrêa teve que empregar toda sua expertise obtida no mundo dos negócios:
“Devidamente autorizado, envidei o melhor dos meus esforços para levantar dentro dos muros do município a quantia de dois mil contos de réis que aquele decreto me autorizava, e que naquela ocasião eram julgados suficientes e necessários para se levar a cabo o grande empreendimento. Não rendo atendido os meus reiterados apelos, e mesmo talvez, não sendo compreendido, entre nós, o alcance moral econômico e financeiro dessa iniciativa, derrotado na terra que deveria por ele mais se interessar, mas não vencido, nem convencido da inocuidade do meu esforço, procurei levantar essa quantia fora do Estado do Rio Grande do Sul, dirigindo-me para isso, tanto pessoalmente, quanto por intermédio de amigos nossos, às praças do Rio de Janeiro e de São Paulo, nas quais havia mais abundância de capitais, e por isso mesmo, mais iniciativas. O Estado do Rio Grande do Sul, desgraçadamente nessa época, pela insânia de alguns maus brasileiros, est6ava em guerra; debatia-se em lutas fraticidas, estiolando vidas e energias de melhor aproveitamento e de melhor sorte.(...) E como onde há guerra, não há segurança, retraíram-se os capitalistas procurados no Rio de Janeiro e em São Paulo. Ante a recusa formal desses capitalistas, restava-me nesta emergência, uma única solução airosa: Procurar no estrangeiro quem nos viesse amparar e auxiliar com seu dinheiro.(...) Dr. Borges de Medeiros prometeu dar seu endosso a essa operação de crédito, (...). A 9 de Julho de 1927, finalmente a firma J.G.White & Cia Incorporated, de Nova York, fechava com o governo do Estado do Rio Grande do Sul um empréstimo de US$ 4.000.000,00 conhecido pela designação de “empréstimo das municipalidades”, sendo o município de São Leopoldo nele contemplado com a soma de US$ 238.380 que reduzidos ao câmbio, produziriam os 2.000.000$ necessários para tocar adiante a obra da Usina da Toca”.
Quis o destino que o intendente João Corrêa lançasse a pedra fundamental e desse início à obra no dia 03 de março de 1927, pois faleceu em 16 de março do ano seguinte. Coube ao seu sucessor, Cel. Theodomiro Porto da Fonseca, concluir e inaugurar a Usina da Toca em 25 de julho de 1930. Mas João Corrêa tinha razão quando professava que a Usina seria, num futuro próximo, “um filão de ouro, que devidamente aparelhado e convenientemente explorado, há de fazer a riqueza do município de São Leopoldo, pagando, ele só, por si mesmo, com a renda que vai produzir...”
Depois da emancipação de Novo Hamburgo, pelo Ato Municipal nº 130, de 15 de janeiro de 1930, é criado o distrito de Estância Velha e anexado ao município de São Leopoldo. Três anos mais tarde, por meio do Ato Municipal nº 14, de 30 de dezembro de 1933, é criado o distrito de Nova Palmeira e anexado ao município de São Leopoldo.
Na divisão administrativa referente ao ano de 1933, o município é constituído de 11 distritos: São Leopoldo, Boa Vista do Herval, Bom Jardim, Campo Bom, Dois Irmãos, Estância Velha, Joaneta, Lomba Grande, Nova Palmeira, Sapiranga e Sapucaia.
Em função das idas e vindas das legislações, das novas regras envolvendo os limites dos municípios, pelo Decreto Estadual nº 7.842, de 30 de junho de 1939, baixado em virtude de autorização contida no Decreto-lei Federal nº 1.307, de 31 de maio de 1939, o distrito de Lomba Grande foi transferido para o município de Novo Hamburgo. A conquista desse território foi algo bastante comemorado pelos hamburguenses da época.
No quadro fixado para vigorar no período de 1939-1943, o município é constituído de 10 distritos: São Leopoldo, Bom Jardim, Campo Bom, Dois Irmãos, Genuíno Sampaio (ex-Nova Palmeira), Joaneta, João Correia (ex-Estância Velha), Padre Eterno (ex-Boa Vista do Herval), Sapiranga e Sapucaia.
Pela Lei Municipal nº 174, de 21 de março de 1950, é criado o distrito de Esteio e anexado ao município de São Leopoldo. Padre Eterno tomou o nome de Santa Maria do Herval. Pela Lei Municipal nº 177, de 10 de junho de 1950, o distrito de Genuíno Sampaio voltou a denominar-se Estância Velha.
Em divisão territorial datada de 01 de julho de 1950, o município é constituído de 10 distritos: São Leopoldo, Ararica, Campo Bom, Dois Irmãos, Estância Velha (ex-Genuíno Sampaio), Esteio, Guianuba, Ivoti, Joaneta, Santa Maria do Herval (exPadre Eterno) e Sapiranga.
Pela Lei nº 2.518, de 15 de dezembro de 1954, o distrito de Joaneta (atualmente pertencente ao município de Picada Café) é transferido do município de São Leopoldo, para constituir o novo município de Nova Petrópolis.
Pela Lei Estadual nº 2.520, de 15 de dezembro de 1954, fica desmembrado do município de São Leopoldo o distrito de Esteio, elevado à categoria de município. A Lei Estadual nº 2.529, de 15 de dezembro de 1954, desmembra do município de São Leopoldo os distritos de Sapiranga e Araricá, para constituir o novo município de Sapiranga.
Em divisão territorial datada de 01 de julho de 1955, o município é constituído de 7 distritos: São Leopoldo, Campo Bom, Dois Irmãos, Estância Velha, Ivoti, Santa Maria do Herval e Sapucaia (ex-Guianuba).
A Lei Estadual nº 3.707, de 31 de janeiro de 1959, desmembra do município de São Leopoldo o distrito de Campo Bom, elevado à categoria de município. Pela Lei Estadual nº 3.823, de 10 de setembro de 1959, ficam desmembrados do município de São Leopoldo os distritos de Dois Irmãos, Morro Reuter e Santa Maria do Herval, para constituir o novo município de Dois Irmãos.
A Lei Estadual nº 3.818, de 08 de setembro de 1959, desmembra do município de São Leopoldo os distritos de Estância Velha e Ivoti, para constituir o novo município de Estância Velha.
Na divisão territorial datada de primeiro de julho de 1960, o município de São Leopoldo é constituído de dois distritos: São Leopoldo (sede) e Sapucaia. A Lei Estadual nº 4.203, de 14 de novembro de 1961, desmembra do município de São Leopoldo o distrito de Sapucaia, elevado à categoria de município com a denominação de Sapucaia do Sul.
Em divisão territorial datada de 31 de dezembro de 1963, o município é constituído do distrito sede. Assim permanecendo até os dias atuais. Lógico, nem sempre a perda de determinado distrito representa um prejuízo para o município-mãe.
A manutenção de estradas vicinais em localidades rurais demandava altos investimentos. O bônus obtido por São Leopoldo com algumas das emancipações se justifica pela estrutura mais enxuta para comandar e, com isso, demandar menos investimento em lugares de menor retorno para os cofres do município. Para exemplificar, isso ocorre com as emancipações de Sapiranga, em 1954, e de Dois Irmãos, em 1959.
Distritos que recém estavam recebendo as primeiras indústrias calçadistas, e que ao mesmo tempo possuíam grande extensão territorial e muitas estradas de saibro e brita que exigiam conservação; portanto, onerosos para o município-mãe.
Integrante da comissão emancipacionista e que em seguida seria o primeiro prefeito do novo município de Dois Irmãos, Justino Antônio Vier descreve a precariedade das estradas interioranas, que dificultavam o escoamento da produção agrícola. Ao mesmo tempo, Vier ressalta que essa situação não era uma exclusividade do município de São Leopoldo.:
“Não podemos separar o comércio de produtos e bens de consumo sem apreciar e considerar as dificuldades de transporte até o destino final. Sabe-se que, até os anos 40, de modo geral, em toda parte, tudo funcionava da mesma maneira. (... ) Estradas não havia; haviam caminhos coloniais, que tinham de 4 a 6 metros de largura, e que nunca haviam visto trator, nem patrola, e que por isso mesmo eram conservadas e reparadas por picareta, pá e enxada. Algumas receberam um pouco de saibro, pedra brita não conheciam, ainda que seu leito fosse quase de pura pedra. Recordo que até 1944, o tráfego dos poucos caminhões e autos em dias de chuva era uma aventura. Na maioria das nossas estradas [localizadas em terreno íngreme e acidentado], o único meio era colocar correntes nos pneus traseiros, para subir os morros até trafegar na área plana.. Em dias de chuva, uma viagem de Santa Maria do Herval a São Leopoldo levava algumas horas. Devido a muitas subidas acentuadas, ônibus e caminhões tinham que adaptar correntes nas rodas, o que não permitia desenvolver maior velocidade.(...) Em dias de chuva, na rua São Miguel, defronte ao G. Engelmann, formavase um atolador no qual até mesmo animais morriam, caídos no lamaçal, sem que pudéssemos socorrê-los.(...). De ano em ano nossas estradas eram roçadas pelos moradores, alguns zeladores espalhados pelo interior faziam as tarefas de abrir valetas, desobstruir bueiros (…).”
É lícito pensar sobre possibilidades de descaso por parte da administração do município de origem, considerando sua grande extensão territorial, pois quanto mais distante estiver a população da sede do município, mais difícil será atender aos seus anseios.
Nas localidades que conseguiram autonomia, a população percebe a emancipação como sinônimo de progresso e como uma nova forma de aumentar os recursos financeiros para a comunidade, vislumbrando melhorias nas áreas da saúde, da educação, da segurança e dos serviços públicos afins. A aproximação dos moradores de seus representantes políticos configura-se um fator importante, pois, anteriormente à emancipação, as mediações eram feitas com estruturas políticas distantes, dificultando a representatividade da população local.
Em todos os casos dos distritos que se desvincularam administrativamente de São Leopoldo, a emancipação refletia os anseios da comunidade local. E em algumas situações, a opção pela emancipação baseou-se em plebiscito. Dessa forma, obter a emancipação era um fato a ser festejado, sendo motivação para dias de euforia e comemoração.
Anteriormente mencionamos Carlos Octaviano de Paula, fundador do Partido Libertador em São Leopoldo, ativo e dono de grande carisma no meio político da cidade. No ano de 1920 disputou as eleições municipais, tendo como parceiro na sua chapa José João Martins, industrial de Novo Hamburgo. Naquela memorável eleição, a dupla mencionada concorria na condição de dissidentes do Partido Republicano, tendo como adversário Mansueto Bernardi, indicado para a cabeça da chapa do Partido Republicano pelo próprio Borges de Medeiros, Presidente da Província. Carlos Octaviano de Paula era bastante estimado pelos leopoldenses, tendo sido também um dos fundadores do S. C. Nacional, juntamente com Luiz Correa, Nicolau Kluge, Gabriel Bello, Sadi Schmidt, Christiano Moog, Leopoldo Hoffmann, entre outros.
Carlos Octaviano era montenegrino, nascido em 14 de julho de 1877 e falecido em São Leopoldo no dia 19 de setembro de 1932. Uma de suas filhas, Maria Emília de Paula, foi prefeita municipal de São Leopoldo, numa gestão em que a atuação na área da ação social foi o ponto alto. Inclusive chagou a ser presidenta da filial local da Cruz Vermelha Internacional, instituição que presidiu durante 40 anos.
Vereadora de São Leopoldo de 1947 a 1955, assumiu a prefeitura da cidade em 1959, sendo a primeira prefeita do Rio Grande do Sul. Entretanto, sua vida familiar teve percalços. Grávida de cinco meses de seu filho mais novo, perdeu o marido afogado no Rio dos Sinos, tendo que criar sozinha os quatro filhos. Sua história de vida se transformou em exemplo de superação das dificuldades, de dedicação à família e ao povo de São Leopoldo.
Maria Emília possuía alguma intimidade com os meandros da política e da área do direito. Seu tio-avô, Epifânio Orlando de Paula Fogaça, tinha sido o primeiro intendente de São Leopoldo. Seu bisavô, o português José Joaquim de Paula, foi oficial do exército português, participando ,com seu irmão Antônio, da Revolução do Porto, em 1828. Com o fracasso da revolução, refugiou-se no Brasil, vindo a fixar residência em São Leopoldo.
Aqui no Brasil, José Joaquim deu sequência à sua trajetória da caserna, ocupando o posto de Comandante Superior da Guarda Nacional e da Companhia de Infantaria da Vila de São Leopoldo, no ano de 1858.
Posteriormente, participou também da Guerra do Paraguai. Eleito vereador em diversas legislaturas, ocupou a presidência da Câmara Municipal nos anos de 1851, de 1853 a 1858 e de 1860 a 1864.
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