Entre cientistas sociais, filósofos e psicólogos sociais, percebe-se determinado consenso de que a religião é uma importante instância de significação e ordenação da vida, de seus reveses e sofrimentos. Ela parece ser fundamental naqueles momentos de maior impacto para os indivíduos, como perda de pessoas próximas e doenças graves. No caso dos emigrantes alemães que se lançaram na aventura transatlântica, a religiosidade vivenciada certamente era algo bastante significativo. As despedidas na Alemanha antes da viagem eram perpassadas por essa religiosidade também. Para a maioria, a despedida denotava um adeus permanente. Jamais se veriam novamente em vida.
Percebemos ao longo do texto, nos vários capítulos, que a religiosidade era algo inerente ao imigrante.
A Religião perpassava também o cotidiano dos imigrantes alemães de São Leopoldo. Religião e espiritualidade podem ser percebidos como leques de significações que atribuem sentido à existência, e sob certo aspecto conduzem a vivências de sofrimento, caracterizando-as como irremediavelmente intrínsecas à condição humana.
Sabemos que, num primeiro momento, os imigrantes se ressentiram diante da ausência de práticas e vivências religiosas às quais estavam acostumados na terra natal. Alguns anos passariam, para teuto-católicos e teuto-evangélicos atingirem uma organização das suas práticas religiosas.
Num período de guerra civil (Revolução Farroupilha) que estava por terminar em 1845, a Província de São Pedro do Rio Grande estava vivenciando intensa agitação política. É neste contexto que ocorre a restauração da Companhia de Jesus no Brasil, propiciando a chegada de padres alemães e trazendo com eles a bandeira das missões populares.
Quando os alemães chegaram ao Vale do Sinos, inicialmente se depararam com padres portugueses e espanhóis, que desconheciam o idioma dos imigrantes. Nesse sentido, a comunicação entre os religiosos e seus fiéis católicos era precária. Inclusive nas cartas escritas pelos imigrantes, havia muitas queixas sobre os “padres estrangeiros”, a falta de assistência religiosa e a precariedade de templos para as práticas. Era uma realidade existente tanto entre católicos quanto entre os protestantes.
Os padres e pastores que chegaram ao Sul do Brasil anos depois das primeiras levas de imigrantes, ficaram perplexos com aquilo que verificaram, pessoas que já estavam há anos sem assistência religiosa apropriada. Tanto no cenário católico como no mundo evangélico-luterano havia essa percepção sobre a falta de uma ortodoxia nos respectivos espaços religiosos.
No caso dos padres jesuítas, impressionados com a defasagem e a necessidade espiritual dos colonos, pediram ao Superior Geral da Companhia de Jesus para que mandasse padres alemães para dar assistência religiosa aos colonos.
Atendendo a este pedido para satisfazer a necessidade espiritual dos imigrantes, o Pe. Geral dos Jesuítas enviou, em meados de 1849, os primeiros dois padres da Província da Galícia para estas vastas regiões como missionários: Pe. Agostinho Lipinski, que nasceu em 09 de setembro de 1809 e entrou na Companhia de Jesus em 17 de outubro de 1828, e Pe. João Crisóstomo Sedlak, que nasceu em 02 de janeiro de 1812 e entrou na Companhia de Jesus em 31 de julho de 1844.
O Pe. Lipinski fixou residência primeiramente na Picada de Hortêncio, e o Pe. Sedlak na de São Miguel (Baumschneis, Dois Irmãos). Depois de algum tempo, trocaram de lugar. O Pe. Sedlak ficou em Hortêncio por 23 anos, até seu falecimento.
Em 1848, esta Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, até então fazendo parte da diocese de São Paulo, foi feita diocese própria pelo Papa Pio IX, nomeando como primeiro bispo Dom Feliciano José Rodrigues Prates.
Em 1858, chegam mais dois religiosos jesuítas para auxiliar na condução das almas católicas – Padre Miguel Kellner e Ir. Francisco Ruhkamp.
Inclusive Kellner descreveu São Leopoldo na sua condição de berço da imigração:
“tem uns 16 a 18 mil católicos, a metade católica. Além das duas paróquias por nós atendidas, há a da sede, onde está um padre português. Hortêncio foi fundada em 1827. Os imigrantes tiveram de enfrentar essa mata com meios muito primitivos. Ataques de bugres, guerra civil de 1836 a 1845 (Farrapos). Já há 25 Picadas, as mais antigas estão bem. Gente que veio pobre da Europa aqui se torna grande proprietário. Diariamente vai chegando mais gente da Alemanha, da região de Hamburgo. Seguem para Nova Petrópolis”.
Segundo registros do Padre Kellner, havia dificuldades por parte do pároco de São Leopoldo, para atender as comunidades do interior. A maior destas dificuldades eram as estradas – “o cavalo atola até à barriga na lama, pedras e raízes nas estradas, galhos em cima, moscas, comida mal preparada, tendência dos alemães à liberdade”. Mas nem tudo estava perdido: os padres jesuítas também registram pontos positivos nas colônias. Descrevem suas atividades pastorais, os bons costumes dos colonos católicos, mostram-se maravilhados com as crianças nascidas na comunidade, percebem o bem-estar dos colonos, as práticas da piedade colona, além de enaltecerem as escolas mantidas e conservadas, apesar da oposição do governo.
Um registro curioso elaborado pelo Padre Kellner: “No Brasil não se dá importância à religião. As seitas podem agir livremente, nas igrejas católicas não há sermão; os maçons, cujos chefes são do clero, prejudicam a religião católica. Há pouca prática religiosa. Nos domingos se organizam marchas militares e outras confraternizações”.
“Não nos desesperemos, confiemos em Deus. O que era a Alemanha há 12 anos, e hoje? As coisas, todas importadas, são muito caras. Um ótimo pregador faria maravilhas aqui, e também um entendido em história natural. Até agora nenhum dos Nossos (jesuítas) foi mordido por cobras ou aranhas. Médico só em Porto Alegre, onde há dois alemães, muito bons”.
Fonte: Histórias de São Leopoldo: dos povos originários às emancipações, de Felipe Kuhn Braun e Sandro Blume/ Pesquisa Bado Jacoby
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