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Narrando os 200 anos da Imigração alemã: 33º capítulo - As Associações Recreativas - 2ª parte

Atualizado: 22 de mai. de 2023


Membros da Sociedade Eintracht de São Leopoldo, fundada em 1896/Divulgação / Editora Oikos

Esta breve digressão tem como objetivo apontar para a dimensão étnica das associações recreativas teuto-brasileiras, principal motivo da intervenção ocorrida durante o Estado Novo. A parte o influxo pangermanista e nazista, tais associações se constituíram como expressão da Kultur alemã, daí advindo seu papel como lugares de afirmação da etnicidade. Elas movimentaram a vida social dos imigrantes e seus descendentes nas regiões de colonização e nas cidades brasileiras, em alguns casos desde o início do fluxo imigratório.


A literatura especializada assinalou sua significância numérica, sobretudo a partir da segunda metade do século XIX, vinculando-a, algumas vezes, ao “espírito associativo dos alemães”, conforme expressão de Müller (1984, p. 80). De fato, a quantidade de associações não espantou som ente os prepostos da ação nacionalizadora do Estado Novo. Viajantes, brasileiros ou não, que percorreram as regiões coloniais até a década de 1930, observaram a “feição germânica11 das atividades recreativas desenvolvidas no âmbito das associações. A influência da “cultura originária” é mencionada por Willems (1946 p. 558) a partir de citação de Tonnelat: “as Vereine (associações) pululam na mata virgem” e “inúmeras sociedades têm por único objetivo o divertimento” . Willems não explica a razão dessa observação de Tonnelat, referida, na verdade, ao “perigo alemão” no contexto da propaganda daAlldeutscher Verband (Liga Pangermânica). O francês Tonnelat esteve no Brasil no início do século XX e seu texto se inscreve no debate sobre o expansionismo alemão. No entanto, procura mostrar que a retórica expansionista do pangermanismo não atingia a grande maioria da população teuto-brasileira. Para ele não existia “perigo” de secessão porque os colonos eram apenas pacatos cidadãos brasileiros - daí a ênfase no divertimento: a influência da cultura alemã era evidente, mas desprovida de quaisquer injunções politicas (cf. Tonnelat, 1908). O objetivo primeiro era o lazer, mas um lazer de contornos étnicos, com afirmação de uma identidade coletiva definida pela Kultur.


As primeiras associações surgiram nos meios urbanos brasileiros com a denominação genérica de Germania. A mais antiga é a Gesellschaft Germania do Rio de Janeiro, fundada em 1821 por comerciantes alemães atraídos para o Brasil após a abertura dos portos em 1808. Entre os trinta sócios fundadores figuravam dois holandeses, dois belgas, dois suiços, um dinamarquês e um escocês. Configurava-se como espaço de lazer para outros europeus, embora o perfil da maioria dos sócios tivesse como elemento comum de identificação a origem germânica. Assim, os naturais da Áustria, Renânia, Hannover, Prussia, Holstein e das cidades hanseáticas são englobados pela ascendência germânica, enquanto os oito sócios acima citados aparecem como nicht Deutsche (Hinden, 1921: 44). Identificada como sociedade cultural e recreativa era, especificamente, o lugar da sociabilidade e do lazer para um grupo restrito de famílias de comerciantes e industriais radicados no Brasil, eventualmente incluindo cientistas, artistas, viajantes ou mesmo militares de origem germânica, conforme podemos constatar no volume comemorativo do centenário (Hinden, 1921 ).


Outros clubes Germania surgiram, em circunstâncias semelhantes, nas cidades de Porto Alegre (1855), Santos (1865), São Paulo (1868), Curitiba (1869), e até na Bahia (1873) - lugares onde existiam “colônias alemãs”4 que congregavam, principalmente, Kaufleute, isto é, imigrantes dedicados ao comércio e/ou indústria. Segundo Willems (1946), ofereciam a seus associados opções de lazer que não podiam ser encontradas nos meios brasileiros, daí seu “caráter acentuadamente germânico”. Nada diz sobre as atividades, mas estas associações celebravam datas históricas alemãs, possuíam bibliotecas com predominância de textos em língua alemã, organizavam apresentações teatrais e de música instrumental e coral privilegiando a tradição alemã. Sob este aspecto, portanto, não se diferenciavam muito das sociedades de Tiro e de Ginástica, apesar destas exibirem mais ostensivamente as práticas esportivas nas suas denominações. As sociedades Germania, porém, eram mais do que simples espaços de recreação, sendo consideradas por Fouquet (1974, p. 160) precursoras das câmaras de comércio teuto-brasileiras.


Interesses econômicos, principalmente beneficentes, motivaram a fundação de muitas associações - fenômeno comum no contexto mais geral da imigração. As Hilfsvereine (sociedades de assistência ou socorro mútuo) surgiram nas cidades a partir de meados do século XIX, funcionando como mantenedoras de hospitais, asilos, instituições de aposentadoria e pensão para determinadas categorias profissionais (professores, por exemplo), e concedendo auxílio aos imigrantes mais pobres. Atuavam como instituições de caridade, exclusivamente voltadas para a comunidade étnica. Por outro lado, foram comuns as organizações formalmente denominadas Kulturverein (sociedade de agricultores, pois, nesse contexto, Kultur significa cultivo) criadas para defender interesses comuns objetivando melhores condições de produção e comercialização. Uma das mais conhecidas foi a Kulturverein de Blumenau, cujas lideranças lutaram por melhores preços junto aos comerciantes teuto-brasileiros (que também possuíam sua associação), mas ganharam notoriedade porque usaram a associação para fazer propaganda política, visando o cadastramento eleitoral no meio rural, nas primeiras décadas do regime republicano.


Os exemplos dados servem para mostrar a relevância dessas formas de organização - institucionalizadas ou não - bastante comuns até as primeiras décadas do século XX, mas que, progressivamente, desapareceram ou se transformaram, perdendo sua dimensão étnica. Elas surgiram, em parte, para suprir demandas assistenciais não atendidas pelo Estado, da mesma forma que outras instituições comunitárias - como as escolas com ensino em alemão, integradas através de associações conforme as instituições mantenedoras (congregações religiosas católicas, igrejas protestantes ou a própria comunidade).


A inflexão laudatoria da fraseologia sobre o “espírito associativo” dos alemães, que explícita a profusão de associações como algo próprio da etnia, porém, é mais acentuada quando referida à tríade Schiitzenverein, Turnverein, Gesangverein. Apesar de instituídas por critérios de pertencimento étnico, as Hilfsvereine, Kulturvereine e assemelhadas tinham objetivos utilitaristas mais precisos, enquanto que as associações recreativas podiam assim ter o papel de divulgadoras ou perpetuadoras da cultura germânica imaginada como expressão do Volksgeist (espírito nacional).


UMA BREVE HISTÓRIA DA SOCIEDADE ORPHEU DE SÃO LEOPOLDO

Em 20 de janeiro de 1858, na casa de Jacob Geyer, foi fundada a Sociedade Mannergesang Orpheus por um quarteto duplo de cantores que tinham como objetivos enobrecer o canto alemão, influindo e animando o gosto por ele, e promover a vida sociável e harmoniosa dos imigrantes alemães. Seus fundadores foram Wilhelm Hofmann, Wilhelm Haertel, Christian Fleck, Luiz Reichard, Alexander Herzog, Dr. Albert Goetze, Carl Renck e Luiz Grünwald.


A Sociedade de Canto Orpheus, como era chamada, foi ponto de encontro de políticos, autoridades e empresários locais. Em 1865, recebeu a visita do Imperador Dom Pedro II, durante sua passagem pelo Brasil. A lira tornou-se seu símbolo. Sem ser a primeira sociedade de canto do Rio Grande do Sul, mas aquela que nunca fechou suas portas, a Sociedade Orpheu tornou-se conhecida por suas festas, entre elas o Carnaval e o Baile de Debutantes, no qual os adolescentes eram introduzidos na vida social.


Eram famílias inteiras comemorando datas festivas, desde crianças, jovens, adultos e idosos. Desde sua fundação até os dias de hoje, diversos presidentes passaram, mas alguns permanecem em nossas lembranças, seja por sua presença, seja por suas ações: Othon Blessmann, João Corrêa da Silveira, Celso Justo, Alcir Silva, Fernando Hauschild.


O Clube Social mais antigo do Brasil, título de reconhecimento recebido na 1ª Convenção Nacional de Clubes Sociais, realizada no Rio de Janeiro, tem como objetivo proporcionar a seus sócios lazer e entretenimento.


Fonte: Revista Travessia/Giralda Seyferth/GZH/Pesquisa de Bado Jacoby com colaboração de Felipe Kuhn Braun









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