Ao longo de vários anos, pelo menos até o final do período imperial (1889), os imigrantes alemães, tanto os protestantes quanto os católicos, vivenciaram uma condição de precariedade quanto aos meios para exercer sua religiosidade. Desprovidos, inicialmente, de apoio eclesiástico formal, os colonos passaram a leigos o controle e organização das atividades religiosas. Em relação aos protestantes, essas condições levaram muitas comunidades a se mobilizar em busca do apoio de instituições luteranas alemãs. Assim, foi comum a reunião de recursos por parte das comunidades para financiar a vinda de pastores da Alemanha. Gradativamente, com a vinda cada vez mais frequente de pastores luteranos, foi se constituindo a organização eclesiástica dos luteranos teuto-brasileiros (JUNGBLUT, 1994).
De um estado de autonomia entre as igrejas das diversas comunidades, passou-se a uma organização mais centralizada, com a fundação primeiro do Sínodo Riograndense (1886). Posteriormente, seguiu-se a fundação do Sínodo Evangélico-Luterano de Santa Catarina, Paraná e outros estados da América do Sul (1905); a Associação de Comunidades Evangélicas de Santa Catarina e Paraná (1911) e o Sínodo Evangélico do Brasil Central (1912). A fundação dessas organizações eclesiais, além de ter permitido uma melhor estruturação institucional das diversas igrejas luteranas teutobrasileiras, possibilitou, entre outras coisas, a defesa politicamente mais eficaz dos interesses das comunidades frente às autoridades constituídas, bem como o pleiteamento do apoio pessoal e financeiro mais generoso junto às instituições luteranas da Alemanha (JUNGBLUT, 1994, p.141).
A religião oficial e dominante no Brasil, no século XIX, era a católica. A imigração rompeu com a exclusividade religiosa, pois parte considerável dos imigrantes alemães era protestante. A legislação tolerava outras religiões, porém os protestantes acabaram na situação de cidadãos de segunda categoria por conta de seu credo religioso. Até mesmo a obtenção de documentos era dificultada. A solução, muitas vezes, foi pressionar os imigrantes para que se tornassem católicos. Quando contingentes maiores de colonos protestantes eram assentados em determinada área, as condições religiosas eram um pouco melhores, pois aí o governo imperial proporcionava pastores, ainda que em quantidade insuficiente. Quanto aos matrimônios de protestantes, não havia registro civil. A única maneira de validar o matrimônio era o realizar na presença de sacerdote católico, do contrário, a união era considerada concubinato e os filhos que porventura nascessem seriam ilegítimos, portanto não herdariam nenhum bem. O casamento entre protestantes foi autorizado pelo decreto de 21 de outubro de 1865. Exigiu-se que filhos de matrimônios mistos fossem batizados na Igreja Católica. Esse decreto foi um grande avanço, pois permitiu o casamento de não-católicos perante pastores e a validade da união, com todos os efeitos civis que o império atribuía ao casamento católico (DREHER, 2006).
Segundo, Dreher (2006), os colonos organizaram sua própria vida religiosa, que ganhou contornos distintos daquela pregada pela Igreja oficial. Surgiram pastores-colonos e padres-colonos. Os próprios imigrantes, muitas vezes, ficaram responsáveis pela construção de igrejas e pela presidência do culto aos domingos e dias santos. Assim, a comunidade organizou a si mesma, sem a participação de sacerdotes oficiais. Visto que o catolicismo era a religião oficial e que não havia Igreja Luterana no país antes da chegada dos imigrantes, as comunidades luteranas que se constituíram dependiam delas mesmas. As igrejas e capelas não tinham apenas função religiosa. Elas se tornaram centros de vida social e cultural, como destaca Dreher (2006, p.329) “Nessas condições, igreja significou um conjunto formado por capela, cemitério, escola, salão de festa, campo esportivo e casa canônica ou pastoral”.
Em relação aos imigrantes protestantes, nos primeiros quarenta anos praticamente não houve preocupação de qualquer uma das Igrejas territoriais alemãs em relação a eles. Somente com a expansão prussiana que essa preocupação ganhou forma, movida, porém, por razões econômicas. Desde a década de 1860, sociedades missionárias alemãs enviaram pastores e missionários para as colônias com a finalidade de pregar o evangelho e cultivar a germanidade entre os colonos. Nas colônias, os religiosos que vieram foram muito bem recebidos, afinal, os colonos os viam como agentes que iriam dar prosseguimento ao trabalho que haviam iniciado. Ainda assim, houve pequenos e grandes conflitos. Quando chegaram pastores ordenados da Alemanha, nos anos posteriores a 1864, aquelas pessoas que haviam liderado as comunidades foram desqualificadas como “pseudopastores”. A partir da década de 1860, portanto, os imigrantes, luteranos ou católicos, passaram a vivenciar a europeização de sua maneira de ser Igreja (DREHER, 2006).
A partir da metade do século XIX, a vida em muitas comunidades coloniais passou a mudar. Este processo, aponta Dreher (2014), teria sido consequência de dois fatores principais. (1) em 1849 chegaram às colônias do Rio Grande do Sul os primeiros padres jesuítas alemães e pastores ordenados; (2) em 1851 vieram os Brummer. Os legionários alemães, muitos deles com escolaridade superior à da grande maioria dos colonos, atuaram, como definiu Rotermund, como um “fermento” em relação ao estímulo na organização de escolas, do associativismo, da imprensa, etc. Eles tomaram para si o papel de lideranças em muitas colônias, defendendo ideias liberais, cuja influência foi crescente. Inclusive, a postura a-religiosa de alguns Brummer, como a de Koseritz, foi um dos elementos responsáveis pela reação das igrejas católica e evangélica. Os jesuítas, com a criação do periódico Deutsches Volksblatt (1872), e os cristãos evangélicos, com a criação do periódico Deutsche Post (1880), e a fundação do Sínodo Riograndense (1886), formaram uma vigorosa frente de combate aos adversários de suas ações, e passaram a realizar um controle maior nas localidades formadas nas colônias alemãs, muitas delas desvinculadas das instituições oficiais e pautadas na organização comunitária e leiga (KREUTZ, 1994). Segundo Dreher (2014, p.147)
[...] conseguiram, em diversas regiões, reorganizar o mundo escolar privado. Brigaram com os pais e conseguiram pôr fim à irregularidade na frequência às aulas, introduziram livros escolares e materiais didáticos. Outros buscaram contato com autoridades do governo provincial e conseguiram ser nomeados professores nas picadas, tornando-se, não raro, representantes dos interesses destas mesmas picadas. No aspecto cultural, foram ainda iniciadores de muitas sociedades, especialmente de cantores. Muitos deles, representantes do Iluminismo, do Liberalismo, do Materialismo e da teoria da evolução das espécies, foram não só introdutores do alemão padrão, buscando superar os muitos dialetos, mas também escarnecedores ferozes de tudo o que consideravam crendice, do curandeirismo, passando pela piedade simples dos colonos, até a religião de padres e pastores.
Em relação a esses novos personagens que passam a modificar a vida nas colônias, Rambo (2003) salienta que no decorrer das décadas de 1850 e 1860, definiram-se entre os teuto-brasileiros três grandes vertentes de pensamento: a católica romana, com a chegada dos padres jesuítas alemães em 1849; a protestante, com a vinda dos pastores alemães ordenados e os primeiros passos para a organização do Sínodo Rio-Grandense, e a liberal, com a fixação definitiva dos Brummer. Esse cenário diverso impulsionou o desenvolvimento da imprensa em língua alemã no Sul do Brasil. Houve também uma produção rica e variada de livros, relatos de viagem, diários etc.
Fonte: IMIGRAÇÃO ALEMÃ E POLÍTICA de Carlos Eduardo Piassini, com o apoio da Assemble Legislativa do Rio Grande do Sul/Pesquisa de Bado Jacoby
댓글