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Foto do escritorBado Jacoby

Narrando os 200 anos da Imigração alemã: 15º capítulo - A colônia de Torres - 2ª parte

Segunda parte:


De igual modo, em 1848, os cargos públicos estavam centralizados em uma maioria composta por “luso-brasileiro”. Na divisão dos cargos – Coletor, Diretor da Colônia, Escrivão, Guarda Nacional, Juiz Municipal, Procurador, Tabelião e Vereador, eram ocupados por “alemão” ou “teuto-brasileiro” e 12 por “luso-brasileiro”. Os números coletados por Eloísa Ramos não só evidenciam que imigrantes e descendentes ainda se encontravam distantes da ocupação efetiva de cargos públicos, como também reforçam a ideia de que os colonos de São Leopoldo estabeleceram contato com indivíduos e famílias de origem açoriana e portuguesa desde sua chegada ao Brasil (RAMOS, 2000:103).


O resultado das pesquisas realizadas com os Registros Paroquiais da Lei de Terras reforça o que estudos recentes têm demonstrado em relação à tese do isolamento, ou seja, que imigrantes e seus descendentes, por consequência, suas Colônias, estabeleceram vínculo constante com seus vizinhos nacionais (ou de outras origens, como os escravos). Esses vínculos poderiam ser econômicos, sociais, religiosos, enfim, de todas as ordens, afinal, o dia a dia, o cotidiano, as necessidades diárias prevaleciam sobre esquemas artificiais de análise. Isso significa que a tese do isolamento só se sustenta enquanto for concebida como uma estrutura artificial de múltiplos relacionamentos. Na prática, um vizinho alemão convidava outro vizinho nacional para apadrinhar seu filho; para estreitar relações, um agricultor nacional doava um pedaço de carne a um par estrangeiro; nas festas, moços “de fora”, com sobrenomes nacionais, tentavam conquistar as moças de origem alemã. Num plano maior, agentes históricos circulavam por espaços que extrapolavam sua Colônia a fim de realizar negócios. O pastor e negociante Carlos Leopoldo Voges fez de Três Forquilhas seu porto seguro, para, dali, comercializar com São Leopoldo, Porto Alegre e Taquari. Com isso, quer-se comprovar que não houve isolamento em escala micro nem em um espectro maior. Considerar a existência do isolamento significa reduzir a capacidade de comunicação e circulação dos agentes históricos do Brasil oitocentista (WITT, 2008).


Da mesma forma, com o cruzamento dos Registros Paroquiais da Lei de Terras com os registros elaborados por padres e pastores, foi possível verificar que muitos desses vizinhos estabeleceram laços de parentesco e compadrio através de casamentos e apadrinhamentos. Do ponto de vista da composição social, as declarações registradas pelos padres encarregados de colhê-las são fundamentais para que se possam lançar novas luzes sobre afirmações generalizantes no que tange à formação étnica dos grupos envolvidos. Nesse caso, os Registros Paroquiais da Lei de Terras comprovam que as Colônias não ficaram isoladas, ao contrário, desde cedo houve diálogo entre colonos alemães e nacionais, e que o confronto com o outro demarcou território e fez com que esses colonos se identificassem com seu grupo étnico. Por outro lado, a fronteira fluida dos grupos possibilitou que relações de parentesco e de compadrio dinamizassem as relações sociais dentro de determinada Colônia. O que se percebe é que a demarcação étnica não se constituiu como empecilho para que pessoas de grupos diferentes firmassem novos laços e constituíssem novos grupos. Sobre a fronteira étnica, Barth afirma que [ela] canaliza a vida social. Ela implica uma organização, na maior parte das vezes bastante complexa, do comportamento e das relações sociais. A identificação de uma outra pessoa como membro de um mesmo grupo étnico implica um partilhamento de critérios de avaliação e de julgamento. Ou seja, é pressuposto que ambos estejam basicamente „jogando o mesmo jogo‟, e isso significa que há entre eles um potencial para diversificação e expansão de suas relações sociais, de modo a eventualmente cobrir todos os diferentes setores e domínios de atividade. Por outro lado, a dicotomização que considera os outros como estranhos, ou seja, membros de outro grupo étnico, implica o reconhecimento de limitações quanto às formas de compreensão compartilhadas, de diferenças nos critérios para julgamento de valor e de performance, bem como uma restrição da interação àqueles setores em que se pressupõe haver compreensão comum e interesses mútuos (BARTH, 2000:34).


No que se refere à documentação produzida por órgãos reguladores, como a Polícia e a Justiça, cabe destacar que, em 1854, a Câmara de Vereadores do município de Santo Antônio da Patrulha manifestou-se contra um colono católico, Antonio Francisco de Emerim, o qual foi chamado de “o mentiroso alemão” pelo juiz de paz Ricardo Ferreira Porto. O crime praticado pelo colono foi ter infringido as normas que permitiam a pesca no rio Mampituba (WITT, 2001:105). Por outro motivo, a medição das propriedades agrícolas, o juiz de paz João Francisco da Silveira denunciou ao presidente da província, em 1834, que “achando-se as colônias dos alemães demarcadas, estão estes colonos todos os dias suscitando questões com os brasileiros” (WITT, 2001:69). Afinal, o que se pode perceber no pronunciamento das duas autoridades? Invisível, mas muito presente, está a delimitação de territórios étnicos, ou seja, não é a pessoa que está infringindo as normas da pesca ou que está disputando terras com os brasileiros, mas sim um sujeito identificado por sua origem e, na confrontação com o

outro, pertencente a um grupo étnico distinto.


Portanto, tanto os Registros Paroquiais da Lei de Terras quanto os documentos produzidos por autoridades locais são capazes de demonstrar que houve diferenciação entre os grupos e que se viam como “colonos alemães”, de um lado, e de “nacionais”, de outro. O confronto permitiu que, no caso dos alemães, hábitos e costumes fossem mantidos. Língua, arquitetura, religião, festas e outros identificadores culturais foram preservados e fizeram parte do dia a dia das comunidades alemãs do LNRS. No entanto é extremamente relevante chamar a atenção para o fato de que hábitos e costumes foram influenciados pelo convívio com indígenas, portugueses, açorianos, africanos, italianos, poloneses e, mais recentemente, com japoneses. A manutenção étnica não exclui a troca e o diálogo com outros grupos. Pesquisas e estudos sistemáticos sobre a história da imigração e colonização no LNRS, sobretudo os realizados pelo historiador Ruy Ruben Ruschel e os que advêm do Raízes e do Marcas do Tempo4, permitem que se afirme, hoje, que colonos alemães católicos e protestantes do litoral mantiveram sua identidade étnica ao se confrontarem com os outros.


Se é possível chegar a essa conclusão, qual a origem, então, da comparação depreciativa em relação aos colonos alemães do LNRS? Em parte da historiografia clássica sobre imigração e colonização no Rio Grande do Sul, São Leopoldo foi elevada à categoria máxima de exemplo no que tange ao crescimento econômico e populacional dos imigrantes e de seus descendentes. Ao fechar o foco da análise, pesquisadores municipalistas e historiadores acadêmicos deixaram de perceber outras nuanças que caracterizaram a vida de núcleos coloniais que seguiram modelo distinto ao de São Leopoldo. Um dos clássicos da imigração, Carlos Henrique Hunsche, publicou dois livros que são referência para os estudos migratórios: O biênio 1824/1825 da imigração e colonização alemã no Rio Grande do Sul (Província de São Pedro), de 1975 e O ano 1826 da imigração e colonização alemã no Rio Grande do Sul, de 1977. Uma das contribuições dos dois livros é disponibilizar aos pesquisadores o nome dos imigrantes chegados ao Brasil, bem como uma pequena biografia ou algumas informações sobre a família, o local de instalação, a atividade a que se dedicaram, entre outras. Afora isso, a produção bibliográfica de Hunsche enaltece a imigração e procura,

às vezes, minimizar o imigrante que apresentou algum tipo de comportamento considerado problema. Nesse sentido, o autor deixou de mencionar, em determinadas biografias, que o imigrante integrava as levas que saíram das “casas de correção” (semelhante a prisões) de Mecklenburg-Schwerin.


Da mesma forma, outro clássico da imigração - Aurélio Porto -, desvinculou certos grupos de imigrantes dos que foram considerados modelos. De acordo com o autor:

No mesmo navio, Schaeffer, que não conseguira, apesar de todos os seus esforços, engajar elementos totalmente bons, fizera embarcar dezenas de criminosos, assassinos e ladrões, tirados das cadeias de Mecklenburg, que eram levados para bordo ainda com as algemas nos pulsos. Pertencem a essa leva os célebres ladrões de igrejas que durante algum tempo, constituídos em quadrilha, chefiados por um tal Sibernagel, saquearam os templos de Santana do Rio dos Sinos, Viamão e outros. Elementos indesejáveis, muitos deles foram conduzidos para S. João das Missões, acompanhando para o Uruguay forças platinas que ali passaram. Outros ficaram por Missões. Traduzindo os nomes confundiram-se na população nacional e foram troncos de várias famílias que ali ainda se conservam (PORTO, 1996:44-45; grifos nossos).


Fonte: MARCOS ANTÔNIO WITT* , autor da pesquisa "Grupos étnicos e etnicidade: o caso paradoxal da Colônia alemã de Torres"










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