O processo de Independência do Brasil não foi algo tão simples e pacífico como muitas vezes acreditamos. Se não bastassem as tensões políticas entre Brasil e Portugal, alguns conflitos chegaram a ocorrer em diversas regiões, assim como negociações internacionais foram necessárias para conquistar a emancipação.
Assim, para conhecermos esses conflitos e entendermos as transações que levaram a independência do Brasil, compreenderemos o processo de mudanças que a colônia sofreu e a conjuntura do século XIX. Esses elementos foram fundamentais para despertar o interesse pela independência.
A transferência da Família Real
O início do século XIX foi um período turbulento na Europa. Com o processo de Revolução Francesa e a ascensão de Napoleão Bonaparte ao poder, o velho continente se encontrava fragmentado. As tradicionais monarquias lutavam contra a difusão do iluminismo e o poder da burguesia, que crescia na Europa e na América, alimentando os sentimentos de independência, igualdade e nacionalismo.
Neste contexto, buscando ampliar a importância da França no mercado global e resistir aos ataques das Coligações, Napoleão iniciou uma série de ofensivas e intervenções pela Europa. Dentre elas, a mais importante foi contra a Inglaterra, grande potência marítima e econômica, que já havia derrotado a França na Batalha de Trafalgar, em 1805.
Visando novas estratégias para derrubar a Inglaterra, Napoleão lançou assim o chamado Bloqueio Continental, que:
Tentava sufocar a economia britânica, impedindo que os ingleses mantivessem seus negócios com outros países;
Punia qualquer nação que mantivesse acordos econômicos ou abrisse seus portos para os navios ingleses;
Almejava tornar a França a grande economia europeia.
Tendo em vista essa conjuntura, Portugal, muito dependente da economia britânica e endividado desde a assinatura do Tratado de Methuen, em 1703, encontrava-se em uma situação delicada. Sem muitas alternativas, a Coroa portuguesa decidiu furar o bloqueio e aceitar o apoio inglês para proteção do país e uma retirada estratégica da família real para a colônia na América.
Cercada por uma Espanha já dominada pela influência francesa, com José Bonaparte no trono, e com as tropas de Napoleão ameaçando uma invasão, D. Maria I e o príncipe regente D. João transferiram toda a corte da metrópole para o Rio de Janeiro. Em Lisboa o comando da resistência ficou com o britânico Lorde Beresford.
2 – A modernização da capital
Ao chegar no Brasil, em 1808, D. João respeitou os acordos com os ingleses, assim, tratados foram assinados para dar vantagens comerciais aos britânicos no Brasil, como:
a abertura dos portos às nações amigas (permitia a entrada de navios britânicos no Brasil);
o Tratado de Aliança e Amizade (que marcava as tarifas alfandegárias para os produtos britânicos em 15%, para os portugueses em 16% e para as demais nações estrangeiras em 24%);
A chegada da Coroa também modernizou o Rio de Janeiro, com a criação de:
Casa da Moeda;
Banco do Brasil;
Jardim Botânico;
Imprensa Real;
Biblioteca Real.
Tendo em vista que no fim do século XVIII as elites já viajavam para a Europa e estudavam em famosas universidades, a modernização da capital também facilitou a circulação do iluminismo. Uma consequência disso foi a Revolução Pernambucana, em 1817, que, tomada por ideias liberais, contestou o aumento tributário para bancar os luxos da monarquia.
Assim, com a abertura dos portos e a elevação a Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, o Brasil enfim se despediu da situação colonial de forma oficial. Mas, para muitos o fim do pacto colonial não bastava, pois um forte sentimento de independência e liberdade crescia cada vez mais. Nos jornais, charges, lojas maçônicas e meios políticos, aos poucos o grito de independência brasileira surgia.
3 – A Revolução Liberal do Porto
Enquanto o Brasil crescia e se modernizava, Lisboa, por sua vez, amargurava-se com o abandono. A antiga metrópole convivia com as cicatrizes após o fim da Guerra Peninsular (1807-1814), contra Napoleão, e permanecia controlada pelos militares ingleses e pelo Lord Beresford.
Insatisfeitos com essa condição de submissão e com o abandono da Coroa, em 1820, a burguesia do porto, acompanhada por importantes membros do clero, da maçonaria e do exército, realizou um levante.
Os integrantes da chamada Revolução Liberal do Porto criaram a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino e divulgaram o “Manifesto da Nação Portuguesa aos Soberanos e Povos da Europa”.
Neste documento, os revolucionários do vintismo deixaram claro suas insatisfações e exigências, dentre elas estavam:
o retorno imediato da família real portuguesa;
a elaboração de uma Constituição;
a submissão do rei às leis;
o retorno da condição colonial do Brasil, com a exclusividade comercial para os portugueses.
4 – A Independência do Brasil
4.1 – O Dia do Fico e a Rebelião de Avillez
A convocação das Cortes portuguesas para a elaboração de uma Constituição, que prejudicaria o Brasil e a independência econômica que as elites conquistavam, era vista de forma ruim na antiga colônia. Para tentar contornar a situação, o rei D. João VI retornou ao país, mas deixou seu filho, o Príncipe da Beira, D. Pedro, como regente no Brasil.
Defendendo a permanência do príncipe e as liberdades conquistadas nos últimos anos, uma elite nacional formada por aristocratas, grandes comerciantes e membros da maçonaria se reuniu no Partido Brasileiro. O grupo, que funcionava mais através de interesses em comum do que propriamente como um partido político, elaborou uma carta ao regente com 8.000 assinaturas pedindo que o mesmo ficasse.
Assim, no dia 9 de janeiro de 1822, após ler o pedido, D. Pedro declarou ao povo que ficaria no Brasil, apoiando o partido brasileiro na manutenção da autonomia conquistada. As Cortes portuguesas, todavia, não ficaram satisfeitas com a decisão do Príncipe da Beira, enviando a Divisão Auxiliar do exército português, liderada por Jorge Avillez, para pressionar D. Pedro.
Avillez, que havia sido nomeado por D. João VI, em 1821, como Governador das Armas da Corte e da Província do Rio de Janeiro, chegou a mobilizar as tropas na região do antigo Morro do Castelo. Visando defender os interesses do Príncipe Regente, a Guarda Real da polícia também foi mobilizada, conseguindo impedir a ação dos portugueses e o sucesso da chamada Rebelião de Avillez.
Enfim, este evento colaborou para o processo de independência brasileira, visto que levou à demissão de Avillez e dos ministros portugueses, assim como ao afastamento das tropas lusitanas. Desta forma, com este cenário D. Pedro conseguiu finalmente formar um novo ministério só com brasileiros e chefiado por seu conselheiro, José Bonifácio.
4.2 – A declaração da independência do Brasil
A formação do novo ministério e a convocação de uma Assembleia Constituinte demonstram a ousadia de D. Pedro I em reafirmar sua posição e contrariar Portugal. Entretanto, disposto a enfrentar Lisboa, um dos atos de maior provocação foi feito no dia 1º de agosto de 1822, com a assinatura de um decreto que declarava inimiga qualquer tropa enviada de Lisboa sem o seu consentimento.
Em resposta, as Cortes portuguesas enviaram, ainda em agosto, novas ordens, exigindo:
o retorno imediato do príncipe;
a anulação de todas as suas decisões.
D. Pedro recebeu a notícia enquanto estava em São Paulo, recebendo também cartas de sua esposa D. Leopoldina e de José Bonifácio incentivando o príncipe a declarar a independência do Brasil.
Assim, no dia 7 de setembro de 1822, D. Leopoldina e seus ministros assinaram a declaração de independência do Brasil. D. Pedro, em São Paulo, enfim apoiou a emancipação definitiva, garantindo a formação do Estado brasileiro independente.
Apesar do 7 de setembro ser uma data simbólica para a independência do país, essa conquista também se desdobrou por diversas regiões brasileiras, que precisaram enfrentar as tropas portuguesas, que ainda resistiam. Dentre batalhas as regiões, podemos destacar:
a Convenção de Beberibe, em Pernambuco (1821);
A independência da Bahia (1823);
Os conflitos em São Luís, no Maranhão (1823);
A resistência portuguesa no Grão-Pará (1823).
4.3 – A Guerra de Independência
Em Pernambuco, os anistiados da Revolução de 1817 ainda faziam barulho e, em 1821, antes mesmo da mobilização de D. Pedro, organizaram uma nova luta, a chamada Convenção de Beberibe.
Insatisfeitos com o governo do português Luiz do Rêgo Barreto, liberais de Pernambuco se reuniram no bairro de Beberibe, em Recife, formando a chamada Junta de Goiana e iniciando uma luta contra a presença portuguesa. A vitória dos revoltosos levou à expulsão de Barreto e das tropas lusitanas instaladas em Pernambuco, marcando enfim a primeira experiência de ruptura brasileira com Portugal no dia 5 de outubro de 1821.
Na Bahia, com influência do movimento pernambucano, também houve um conflito entre portugueses e brasileiros. Entretanto, neste caso, as batalhas foram violentíssimas, deixando muitas pessoas mortas nos confrontos e exigindo, inclusive, a interferência do exército de libertação. Os conflitos começaram com a resistência portuguesa ao Dia do Fico, mas se encerraram apenas em 2 de julho de 1823, data celebrada na Bahia.
4.4 – A influência inglesa na Independência
No processo de Independência brasileira, a marinha inglesa teve uma participação fundamental no apoio à libertação, sobretudo com a liderança do Lorde Thomas Cochrane.
Enquanto na Bahia, o militar britânico bloqueou os portos, prejudicando o acesso dos portugueses a suprimentos, no Maranhão, a resistência lusitana foi derrotada com apoio do mesmo lorde, que ameaçou bombardear São Luís e, assim, garantiu a independência da região em 28 de julho de 1823.
Enfim, na província do Grão-Pará, mais um reduto de resistência portuguesa, apesar dos conflitos contra brasileiros que apoiavam a independência na região, mais uma vez os portugueses se renderam frente aos ingleses.
D. Pedro I enviou para a província o militar inglês John Pascoe Grenfell, que garantiu a adesão da província à Independência em 15 de agosto de 1823. A atuação de Grenfell foi considerada muito violenta, pela prisão em massa e a execução de soldados.
4.5 – As negociações pela independência
Naturalmente, o apoio da Inglaterra ao Brasil no processo de Independência era muito similar ao apoio dado por esse país nas emancipações das colônias espanholas. Interessada em expandir seus mercados para a América, em uma conjuntura de Revolução Industrial, cabia enfim apoiar esses Estados que surgiam para garantir o monopólio comercial.
No caso brasileiro não foi diferente, a Inglaterra enviou apoio militar para as Guerras de Independência e ainda intermediou as negociações entre Brasil e Portugal. Assim, em 1825, a assinatura do Tratado de Paz, Amizade e Aliança firmado entre os dois países garantiu o pagamento de 2 milhões de libras esterlinas à Portugal, como indenização pela Independência. Desta forma, o dinheiro, com as dívidas portuguesas, foi diretamente para os cofres ingleses.
Enfim, apesar da libertação do Brasil às amarras do pacto colonial com Portugal, a formação do Estado brasileiro se deu dependente de uma nova nação, a Inglaterra. A grande potência capitalista, a partir de 1822, passou a dominar ainda mais a economia e o comércio brasileiro, que já nascia um Estado endividado e dependente.
Da redação do www.startcomunicacaosl.com.br / Pesquisa de Bado Jacoby
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