As enchentes históricas de maio no Rio Grande do Sul trouxeram, acima da tragédia, um sentimento geral de união entre muitas famílias que não se conheciam, mas foram unidas por meio das águas. Na última semana, a pitbull Esperanza, ou Lady, resgatada das cheias pela policial civil Fabrícia Marques Coelho foi devolvida à sua dona original, Maria da Luz Silva Viana, de Canoas, em um gesto difícil para a primeira, reconfortante para a segunda, e repleta de esperança para ambas.
A cachorra de dois anos de idade foi denominada de Esperanza por Fabrícia por sua bravura demonstrada diante da inundação. Dócil e alegre, apesar da raça, ela foi descoberta pela profissional no dia 15 de maio depois de 12 dias sobre o telhado de uma residência nos fundos do bairro Rio Branco, junto a dois gatos, um dos quais também foi retirado. “Ingressei com uma equipe voluntária no bairro, onde havia a informação de muitos animais considerados ferozes, os quais ainda não haviam sido resgatados”, contou Fabrícia.
“Um dos gatos foi capturado com uma rede e a pitbull com um cambão, pois estava acuada e agressiva. Quando foi puxada para o barco, a abracei, e ao mesmo tempo ela baixou a guarda e se colocou junto às minhas pernas”. Dali, ambos os animais foram levados para o hospital de campanha improvisado junto à Usina do Gasômetro, em Porto Alegre, e, depois, levados para a casa de Fabrícia. Debilitado, porém, o gato faleceu em julho. Ao saber da história, os vizinhos se mobilizaram com doações de donativos, ração e petiscos.
A angústia da voluntária em localizar os donos se mesclava à gratidão de salvar vidas. Fabrícia disse ter marcado no mapa onde fez o resgate, porém o endereço não conferia. Também buscou os tutores nas redes sociais, sem êxito. “Ela se adaptou bem aos meus pets, uma gata e uma cachorra. Aos poucos, foi superando os traumas, passou a fazer parte da nossa rotina. O apego foi inevitável”. Há uma semana, ela tornou a procurar pelos donos, circulando pelo Rio Branco.
Conversando com vizinhos, reconheceu a casa, mas soube que a família havia passado a morar no bairro Olaria, pois a residência original estava condenada. Ela conseguiu o contato dos tutores e combinou a devolução. “Confesso que a decisão foi bem difícil, mas eles eram donos dela, perderam tudo, menos o amor e carinho que tem por seus animais. A entrega inevitavelmente foi cercada de muitas lágrimas”.
Maria, por sua vez, relatou nunca ter perdido a esperança de localizar sua pitbull, cujo “nome de batismo” é Lady. “Estávamos muito tristes porque tínhamos a procurado por todos os meios que tínhamos. Quando recebemos a notícia de que ela tinha encontrado a Lady, para nós foi um misto de emoção. Só o que pedíamos a Deus era que alguém a tivesse resgatado e que ela estivesse bem. Nossas preces foram atendidas”, contou a moradora de Canoas, que pretende voltar em breve para o endereço onde morava antes das cheias.
Para a família, a enchente foi difícil, e continua sendo, já que outro cão, Faísca, de um ano, segue desaparecido. “A água subiu muito rápido, e não havia ninguém para nos socorrer. Ficamos um dia todo ilhados em uma igreja, e quando o barqueiro veio, não queria levar os poucos animais que estavam conosco. Saímos com dois cachorros e ainda ficaram dois no telhado com a Lady”, disse ela. “Ainda tenho pesadelos com esta situação”.
Natural da Paraíba e casada com um uruguaio de Montevidéu, Maria tem um filho, e a família trabalha confeccionando mesas e cadeiras artesanais, que são sua fonte de renda. Com as enchentes, praticamente toda a produção foi perdida. No último final de semana, ela e Fabrícia se reencontraram. “Não temos outros parentes aqui, estamos sozinhos. Nossa casa é humilde, mas fazemos tudo com amor e carinho. Essa moça que salvou virou da família. Ela pode vir na minha casa a hora que quiser. Eu levo a cachorrinha na casa dela para fazer uma visita compartilhada. Sou muito grata pelo que ela fez”, encerrou a moradora de Canoas.
Fonte: Correio do Povo
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