
As enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul deixaram milhares de pessoas desabrigadas, enfrentando muitas perdas materiais. Com o passar de quase dez meses após o ocorrido, as feridas emocionais ainda são extremamente significativas. No bairro Vicentina, um dos locais atingidos pelas águas em São Leopoldo, é possível notar diversas casas que permanecem desocupadas e marcadas pelos danos causados pelas inundações. Há residências nas quais os proprietários não tiveram coragem nem de voltar para limpar o interior da casa e o pátio. Locais também em que as moradias estão quase desabando e outras demolidas. Apesar dos esforços, muitos moradores ainda permanecem apreensivos.
Casas antes habitadas agora estão vazias

Conversando com os residentes do local, muitos relatam a dificuldade de conviver com o medo constante de novas enchentes e o trauma que isso lhes causou. É o caso de Bernardina Haack da Silva. Moradora do bairro, ela foi uma das centenas que tiveram suas residências submersa pela água. Bernadina ainda mora na Vicetina, porém agora em outro local onde a água não atingiu, mas muito afastada de sua casa anterior, como relata. “Minha rotina depois da enchente não é mais a mesma. Levantava todo dia cedo, fazia minhas tarefas da casa com disposição, que não tinha luxo, mas tinha um conforto. Trabalhei uma vida toda para adquirir minhas coisas. Agora onde estou morando não sinto como estivesse na minha casa, me falta ânimo e aquele entusiasmo que eu tinha”, lamenta.
Perguntado a ela sobre o que está sendo mais difícil neste momento, Bernardina diz que ver uma vida inteira de trabalho ser destruída de uma hora para outra é muito triste. “Minha principal preocupação agora é poder ter uma casa em outro lugar para poder viver tranquila” comenta. Pensando no futuro, ela fala que neste momento desafiador o que dá esperança é a vida. “A importância dos vizinhos para o que passamos foi fundamental. Nossa união e força nos fez aguentar passar por tudo isso”, conclui.
O poder da união
A união dos moradores da Vicentina também foi e está sendo fundamental para enfrentar todo o caos vivido em 2024, e os desafios que ainda encontram mesmo após passado nove meses dessa tragédia. Seu Gilson Tibiriçá, um dos moradores mais antigos do bairro, é umas das lideranças do local. O morador conta que com a enchente de 2024 viu uma força e união de todos, mesmo cada um enfrentando suas batalhas e aflições com a perda de suas casas. “Nós tínhamos um grupo de whatsapp com alguns moradores das casas da minha rua, para conversar e falarmos do dia a dia. Após a enchente, nosso grupo aumentou e centenas de moradores agora fazem parte. Lá nós colocamos as demandas e serviços que estão sendo oferecidos aos atingidos”, diz.
Gilson também é membros do grupo “Pró-Dique Vicentina”, um movimento de moradores de São Leopoldo, que exige transparência e fiscalização da manutenção dos diques e sistemas de contenção de cheias do município. “A necessidade de políticas públicas eficazes e de longo prazo é evidente para evitar que tragédias como essa se repitam e para garantir que os moradores possam reconstruir suas vidas com dignidade e segurança”, comenta. Além dos traumas, a questão financeira também é um dos desafios aos atingidos. Os esforços de cada um para conquistar e comprar seus terrenos e casas é mais uma batalha que os atingidos terão que enfrentar, a reconstrução leva tempo e também depende de dinheiro que muitos moradores ainda não tem.

Maria Rosane Ferreira, também moradora do bairro Vicentina e uma que teve sua casa atingida, fala que apesar do medo, hoje o que impede de voltar é a questão financeira. “A Defesa Civil já me deu o laudo e eu estou dentro das pessoas que se enquadram para ganhar uma nova casa que o governo federal ficou de dar”, diz.
Atualmente Maria está morando numa casa emprestada, de favor, como relata. “Se não tenho a minha casa, não tenho nada. Estou morando de favor aqui no bairro Jardim América. É sofrido! Tenho que ir trabalhar de bicicleta e tem muitas subidas, e como tenho fibromialgia, as vezes é difícil”, conclui.
Maria também tinha planos de ter um espaço para ensinar mulheres a costurar e fazer artesanato, mas com toda essa tragédia, perdeu todas as suas máquinas de costura e o material que já estava preparado para as aulas. Para o futuro, deseja que seja o mais breve possível, Maria deseja ter sua casa novamente e poder levar sua vida da maneira que sempre sonhou e que meus filhos possam estar seguros e felizes, finaliza.
Tratar da saúde mental é fundamental
Muitos foram (são e continuarão sendo) os impactos psicológicos nas pessoas em decorrência das enchentes no nosso Estado. Os impactos mais evidentes aparecem nos sujeitos em forma de pesadelos, ansiedade mais intensa e lembranças frequentes (flasbacks) do evento que os acometeu. Estes podem ser considerados como sintomas associados a transtornos como o Transtorno do Estresse Pós- Traumático (conhecido no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais como “TEPT”), é o que destaca a psicóloga Josiani Schutz.
Para além deste, há a depressão que pode ter se agravado naquelas pessoas que já tinham este diagnóstico ou uma depressão que se manifestou em algumas pessoas como resultado da enchente. Nesse último caso a depressão surge como resultado do luto pela perda de familiares, amigos, vizinhos, animais de estimação e, também, o luto pela perda da casa, móveis, muitas vezes de um bairro inteiro e, possivelmente, luto pela perda de suas histórias registradas em fotos que, infelizmente, a água pode ter levado também, diz.
A psicóloga comenta que é fundamental que haja preocupação do setor público com a saúde mental nessas situações, no sentido de atender as pessoas imediatamente após as tragédias e com a garantia de acompanhamento continuado nos meses posteriores, o que minimizará os impactos psicológicos que, muitas vezes, podem gerar problemas crônicos como o alcoolismo, a violência doméstica e o isolamento social. Ou seja, investir em saúde mental durante e após as tragédias é essencial para tentar garantir que a população consiga ir, aos poucos, se recuperando, não apenas materialmente mas, também, emocional e psicologicamente, finaliza.
Melhorias já estão sendo feitas para São Leopoldo
Pensando em melhorias para São Leopoldo, a Prefeitura iniciou, no início do mês fevereiro, a Operação Controle de Alagamentos (OCA), começando pelo bairro Vicentina. A ação envolve limpeza, desobstrução e reparo de bocas de lobo e redes pluviais para prevenir futuros alagamentos. O prefeito Heliomar Franco destacou a importância da manutenção contínua: "É importante que a limpeza e a manutenção desses pontos de escoamento de água e esgoto sejam feitas de maneira permanente.", disse.
A importância de oferecer apoio contínuo às vítimas das enchentes é fundamental, sempre reconhecendo e validando suas emoções, e promovendo a reconstrução de suas vidas e comunidades de maneira resiliente e solidária.
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