“Conclamo os líderes do nosso país a que se dediquem aos problemas reais que assolam o nosso povo: a pandemia, que ainda não acabou e já levou para o túmulo mais de 590 mil vidas brasileiras, e levou a dor a estes familiares que perderam entes queridos; devemos nos preocupar com o desemprego, que conduz o cidadão ao limite da sobrevivência biológica; nos preocupar com a inflação, que corrói a renda dos mais pobres; e a crise hídrica, que se avizinha e que ameaça a nossa retomada econômica”.
Você sabe quem é que fez esse discurso com sotaque de palanque eleitoral? Esse empolgado discurso de oposição, cobrando providências dos “líderes do país”? Tem alguma ideia?
Quem quer que ouvisse essa arenga sem saber de que gogó ela partia, poderia se perguntar: que vereador será esse?
Pois essa foi a parte do Luiz Fux no bate-boca mantido, à distância, com o Bolsonaro que, com sua língua detrativa e mal educada, andou ferindo os brios dos togados. Só tem uma coisa: Fux esqueceu de tirar a toga para discursar, esqueceu que a toga diferencia o magistrado do vizinho encrenqueiro, do político da oposição, do vereador parlapatão. Esqueceu que a toga, representando a Justiça, exige de quem a veste um comportamento ajustado à liturgia do cargo, cujos atributos deveriam ser serenidade, moderação e circunspecção. Esqueceu de que ombro de magistrado não deve servir apenas como cabide de toga, mas como repositório de responsabilidades. Uma delas é a de demonstrar que as funções por ele exercidas devem infundir confiança na justiça.
Sim, senhores. Nem na forma, o discurso de Luiz Fux obedeceu aos requintes da boa dialética, que todo o metido a intelectual deveria conhecer. Se ele tivesse lido as catilinárias de Cícero, faria discursos como os daquele tribuno romano, que servem como aulas de latim. Longe disso, o aranzel do Fux atropela o vernáculo. Ele embola o sujeito, começando na primeira pessoa do singular: “conclamo os líderes...” E, no mesmo período, bota o predicado no plural: “devemos nos preocupar com o desemprego... Sem falar na última oração, cujo sujeito fica boiando, sem ação...
E dá nisso: quem não aprendeu com Cícero, está sujeito a ser confundido com candidato a vereador em palanque eleitoral.
João Eichbaum, é escritor e cronista
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