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Centenário de Paulo Freire: admirado no mundo e vilão da ultradireita brasileira


Há exatamente 100 anos, em 19 de setembro de 1921, nascia no Recife, em Pernambuco, aquele que se tornaria um dos mais notáveis pesquisadores da história da pedagogia mundial: Paulo Freire. Patrono da educação no Brasil, o educador, pedagogo e filósofo é reconhecido mundialmente, mas no país em que nasceu ainda é alvo de resistência e fake news. Mas a sua importância para o debate educacional é inegável. Paulo Freire é o brasileiro mais homenageado no mundo. Ele tem 29 títulos de Doutor Honoris Causa dado por universidades da Europa e da América, além de vários outros prêmios, como o Educação pela Paz, da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciências e Cultura (Unesco). O educador ainda é o terceiro pensador mais citado do mundo em universidades da área de humanas, de acordo com levantamento da London School of Economics.

De acordo com o professor Ítalo Francisco Curcio, pesquisador no curso de pedagogia da Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutor e pós-doutor em educação, a importância de Paulo Freire está no fato de que ele foi o primeiro a pensar em um método educacional voltado para a realidade brasileira. Em 1963, o educador aplicou seu método em Angicos, cidade do interior do Rio Grande do Norte. O projeto conseguiu alfabetizar 300 adultos em apenas 45 dias. "Paulo Freire apresenta um trabalho revolucionário. Ele mostrou que não tínhamos modelos adequados para a nossa realidade", explica Ítalo.

Naquela altura, o Brasil tinha mais de 40% da população totalmente analfabeta. A proposta de Paulo Freire era considerar o conhecimento que aquelas pessoas tinham na hora de ensiná-las a ler e escrever. "Ele propõe um método considerado o conhecimento prévio. A gente usava cartilha de crianças para ensinar adultos. E ele diz que adultos têm que ser tratados como adultos. Com esse método ele acaba socializando a educação", completa o professor.

O trabalho de Paulo Freire, porém, foi interrompido em 1964 pela ditadura militar, que acreditava que o método poderia incentivar revoltas populares. O educador ficou preso por 72 dias e passou 16 anos em exílio, onde continuou a se dedicar a sua obra. Paulo Freire lançou mais de 30 livros. "Nós não podemos confundir o método dele com a obra. Ele foi muito mais do que o método. Ele foi um filósofo da educação. Ele não agrada a todos, mas nem todos os filósofos agradam a todos. Há de se reconhecer que ele foi um revolucionário da educação e por causa desse sucesso ele ficou conhecido internacionalmente", destaca Ítalo. Segundo o professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) Erlando da Silva Rêses, a filosofia de Paulo Freire é estudada no mundo inteiro e admirada. "Ele primeiro observou a realidade, depois ele escreveu a teoria, que foi a Pedagogia do Oprimido. A importância dele está não só no Brasil, mas no mundo inteiro", afirma.

Maurilane de Souza Biccas, professora de História da Educação na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), lembra que a obra de Paulo Freire é estudada em todo o mundo como base de pesquisas em educação. "Os livros de Paulo Freire foram publicados em quase todo mundo. A Pedagogia do Oprimido, é a obra mais importante, a terceira mais citada em trabalhos de ciências humanas do mundo, foi traduzida e publicada em mais de 20 idiomas. A produção teórica e a reflexão sobre sua prática como educador e consultor, inspirou e ainda tem inspirado, inúmeras pesquisas acadêmicas e práticas pedagógicas que são realizadas no Brasil e em vários países do mundo", diz.

Vilão da ultradireita brasileira

Apesar de todo o reconhecimento dado ao trabalho de Paulo Freire, ele tem sido uma das personalidades mais atacadas pela direita no Brasil. Tachado de comunista, o educador já foi alvo de críticas até do presidente Jair Bolsonaro. Na campanha para a Presidência, Bolsonaro chegou a dizer que para melhorar a educação seria preciso "expurgar a ideologia de Paulo Freire" das escolas. O ex-ministro da Educação Abraham Weintraub também ameaçou tirar um mural em homenagem ao educador que tem em frente ao MEC. Nessa semana, a Justiça Federal do Rio de Janeiro deferiu liminar que proíbe o governo federal de "praticar qualquer ato institucional atentatório à dignidade intelectual" de Paulo Freire.

Para Ítalo, estes ataques são motivados por dois motivos: o desconhecimento e a natureza libertária da sua filosofia. "Infelizmente algumas camadas da população interpretam errado. Chegam a dizer que Paulo Freire é responsável pelas mazelas da educação. Tem gente que fala mal dele, mas nunca nem leu um livro dele", lamenta.

O professor destaca que a educação brasileira demorou muito tempo para ter algum incentivo e segue sem investimento adequados até hoje. Isso por si só explica a situação da educação no país e não a filosofia de Paulo Freire. "São 200 anos de história e de políticas públicas inadequadas. A gente só começa a ter alguma coisa a partir da Constituição de 1988. Somente em 2001, o Brasil teve o primeiro Plano Nacional de Educação. O problema da educação atual não é Paulo Freire é a ausência de políticas públicas", enfatiza.

Isso, porém, segundo Erlando, mostra o quanto Paulo Freire incomoda. "Muita gente levanta o nome dele sem conhece-lo e ai a gente vê o tanto que ele esta inserido no imaginário popular, não só na academia. Ele é atacado por conta das ideias referentes a uma educação não só ligada a leitura e escrita, mas com uma discussão sobre conscientização", afirma.

Maurilane Biccas reflete que esses ataques só mostram o quanto ele incomoda. "Paulo Freire é valorizado no exterior por que é genial. É rejeitado também por ser genial. Se a pedagogia de Paulo Freire foi considerada "perigosa" pela ditadura militar, sua práxis causou muitas polêmicas, taxada de comunista. Hoje, a pedagogia do Paulo Freire é considerada por alguns também como "esquerdista", "comunista", e que influencia negativamente a educação no país. O governo Bolsonaro vê Paulo Freire como o responsável pela má qualidade pelo ensino publico brasileiro. Ele é chamado de "Doutrinador", o que ele nunca foi, pois em suas obras podem ser conferidas a importância conferida por ele sobre a curiosidade, o estranhamento e o questionamento em relação ao mundo", esclarece.

Paulo Freire e João Goulart(foto: arquivo Erlando Reses)

A professora Maria Madalena também avalia da mesma forma. "O grande medo é porque a metodologia esclarece e no capitalismo a classe dominante quer ter todos os lucros e gente que estuda é mais esclarecido", afirma. "Os pobres que criticam Paulo Freire é por puro desconhecimento. Vão sendo levados pelas fakes news. Nos livros dele só tem coisas boas. Diz que educação exige respeito, diálogo, esperança, liberdade, amor, ser contra ele é ser contra tudo isso", completa.

Os ataques são tantos, que ano passado o Instituto Paulo Freire lançou um livro avaliando essa situação. "Essa desconstrução tem um endereço, um propósito: atacar o que ele defendia que era uma escola democrática, popular, emancipadora. O alvo da campanha contra Paulo Freire não é só ele: o alvo é o direito à educação pública", afirma Moacir Gadotti, presidente de honra do Instituto Paulo Freire no Prefácio do e-book Paulo Freire em Tempos de Fakes News.


25 anos após a morte de Paulo Freire, o Brasil ainda tem 11 milhões de analfabetos, segundo o IBGE, e a educação ainda enfrenta mais um desafio com a crise provocada pela pandemia. De acordo com relatório Education at a Glance 2021, elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e divulgado esta semana, o Brasil é um dos poucos países que não aumentou o investimento em educação durante a pandemia. "Os estudantes da EJA não conseguiram nem participar das aulas remotas. Muitos ficaram desempregados e não tinham acesso a internet. O governo economizou com água e luz, poderia ter revertido em planos de internet e cesta básica, mas não fez. Nós investimos tudo que podíamos em cestas básicas para não ver os nossos passando necessidade", lamenta Maria Madalena.


Fonte: em.com.br

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