![Imagem: Marcos Serra Lima/ g1.](https://static.wixstatic.com/media/d91406_62f991d556974673ba4ff5557d7cc37f~mv2.avif/v1/fill/w_980,h_571,al_c,q_85,usm_0.66_1.00_0.01,enc_avif,quality_auto/d91406_62f991d556974673ba4ff5557d7cc37f~mv2.avif)
Nos últimos dois anos e meio, cresceu o número de argentinos que vêm ao sul do Brasil em busca de trabalho, conforme apontam dados estatísticos oficiais. Eles são majoritariamente contratados para atividades temporárias e que exigem esforço físico, especialmente em propriedades rurais. Entre as funções mais comuns estão a colheita de diversas culturas, o corte de árvores de reflorestamento e a apanha de aves — tarefa que consiste em capturar as aves e colocá-las em gaiolas para transporte até o abate.
Segundo o relatório mais recente do Observatório das Migrações (OBMigra), do Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Argentina já ocupa o segundo lugar no ranking de países com maior número de imigrantes na região sul do Brasil, ficando atrás apenas da Venezuela, que lidera esse fluxo.
Além disso, os argentinos são o quarto grupo mais numeroso entre os trabalhadores estrangeiros com vínculo formal na região. Somente entre janeiro e junho de 2024, 7.663 argentinos estavam empregados no Sul do Brasil, superando os totais registrados em 2022 e 2023 (veja quadro abaixo).
Para a procuradora do Trabalho Franciele D’Ambros, coordenadora regional da Coordenadoria de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete), os números reais podem ser ainda maiores, pois muitos argentinos atuam de maneira informal no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. "Há migração clandestina na fronteira, e isso não aparece nas estatísticas", observa ela.
A extensa fronteira entre Argentina e Brasil facilita essa movimentação, principalmente pelos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Enquanto algumas travessias são feitas por pontes em cidades como Uruguaiana e São Borja (RS), há também migração por barcos, botes e áreas de fronteira seca.
Dionísio Cerqueira, no noroeste de Santa Catarina, é uma das principais portas de entrada dos imigrantes no momento, segundo as autoridades. O município faz divisa com Bernardo de Irigoyen, província de Misiones, uma das regiões mais empobrecidas da Argentina, que segue enfrentando dificuldades econômicas.
A burocracia na obtenção do visto temporário de trabalho é um dos fatores que impulsiona o ingresso irregular. Alguns migrantes entram como turistas, permitindo uma estadia de apenas 90 dias, enquanto outros tentam cruzar a fronteira sem registro formal.
"Desde 2024, observamos um fluxo maior de argentinos. Produtores relatam que eles são mais comprometidos. A maioria vem de Misiones, onde o mercado de trabalho está muito fragilizado. Muitos têm pouca escolaridade, mas conseguem aqui uma remuneração superior à da Argentina", explica Gerson Soares Pinto, chefe da Seção de Fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho no Rio Grande do Sul.
Os imigrantes costumam assumir funções que carecem de mão de obra local, como a colheita de uva, alho, erva-mate e batata, além da extração florestal e da apanha de frangos. "Eles se organizam em grupos no WhatsApp, compartilham informações e indicam conhecidos para as vagas", acrescenta a procuradora Franciele.
Presença crescente na colheita da maçã
![Imagem: Eduardo Scandolara Santos / Arquivo pessoal](https://static.wixstatic.com/media/d91406_8568743618b14fffb16a1d90393d8202~mv2.jpg/v1/fill/w_700,h_657,al_c,q_85,enc_avif,quality_auto/d91406_8568743618b14fffb16a1d90393d8202~mv2.jpg)
Nos últimos três anos, trabalhadores argentinos passaram a atuar também na colheita da maçã em Vacaria, nos Campos de Cima da Serra, onde antes predominavam safristas indígenas e migrantes do Norte e Nordeste do Brasil.
Lucas Leiria, de 32 anos, é um desses trabalhadores. Natural de Oberá, em Misiones, ele chegou no final de janeiro à Agropecuária Schio, em Vacaria, para atuar na colheita até abril. "Na Argentina, há poucas oportunidades de emprego. Muitos amigos e vizinhos já estão vindo para cá. Minha intenção é voltar em 2026", relata ele por chamada de vídeo.
O setor da maçã é um dos mais organizados na contratação de mão de obra temporária, especialmente em médias e grandes propriedades. De acordo com a Schio, a contratação de argentinos cresceu significativamente a partir de 2023, quando a empresa registrou cerca de 300 trabalhadores dessa nacionalidade. Em 2024, o número saltou para mil. No entanto, para 2025, espera-se uma redução para algo entre 300 e 500 contratados, devido à maior dispersão dos migrantes para outras atividades, como o trabalho em frigoríficos no interior do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.
Migração temporária
Diferentemente de fluxos migratórios de países mais distantes, a proximidade da Argentina com o Brasil facilita um movimento de ida e volta. Relatórios do OBMigra indicam que, em alguns anos, o número de argentinos saindo do Brasil se aproxima ou até supera o de entradas, um fator também influenciado pelo turismo e pelo fluxo de moradores de cidades fronteiriças.
"Eles costumam ficar dois ou três meses, juntam dinheiro e retornam", explica Kleber Guedes, delegado da Polícia Federal em Santa Cruz do Sul. Segundo ele, a presença de argentinos é notável em municípios como Arvorezinha, Ilópolis, Anta Gorda, Putinga e Fontoura Xavier, onde atuam principalmente no corte de árvores de reflorestamento.
"Esse tipo de trabalho é extremamente exaustivo, muitas vezes realizado em condições precárias, como acampamentos improvisados no meio do mato, sem banheiro químico nem água potável. Isso pode levar a situações de trabalho degradante", alerta Guedes.
Condições de trabalho e casos de resgate
Após o resgate de mais de 200 trabalhadores baianos em situação análoga à escravidão na colheita da uva em Bento Gonçalves, em 2023, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi assinado para garantir melhores condições de trabalho para safristas. Segundo as autoridades, as fiscalizações constataram melhorias significativas, inclusive para os argentinos.
"A maioria dos trabalhadores está satisfeita e recebe os salários em dia. Os produtores também demonstram aprovação", afirma Gerson Pinto.
Ainda assim, entre 2024 e 2025, 42 argentinos foram resgatados de condições análogas à escravidão em setores como viticultura, erva-mate, extração florestal e apanha de aves.
Os casos mais graves ocorreram na colheita da uva, com três resgates recentes na Serra Gaúcha — dois em São Marcos e um em Flores da Cunha —, totalizando 34 trabalhadores submetidos a condições degradantes.
Muitos desses resgates envolvem atravessadores, que recrutam trabalhadores prometendo boas condições e salários, mas que, na prática, não cumprem os acordos. Nos casos mais recentes, foram constatadas moradias inadequadas, falta de alimentação adequada, ausência de água potável e pagamentos abaixo do combinado.
"Alguns migrantes se sentem enganados e indignados ao perceber que as condições oferecidas não correspondem ao que foi prometido. Isso pode configurar tráfico de pessoas, além de trabalho análogo à escravidão", explica Franciele.
Apesar dessas ocorrências, as autoridades reforçam que a maioria dos argentinos está trabalhando em boas condições. "Os resgates são casos isolados dentro de um universo muito maior de trabalhadores que estão empregados formalmente e satisfeitos", conclui a procuradora.
Resgates de argentinos em situação análoga à escravidão no RS entre 2024 e 2025
São Marcos, em 2024, na uva - 22 resgatados
Arvorezinha, em 2024, na erva-mate - 3 resgatados
Arvorezinha, em 2024, na apanha de aves - 1 resgatado
Anta Gorda, em 2024, na extração florestal - 4 resgatados
Flores da Cunha, em 2025, na uva - 8 resgatados
São Marcos, em 2025, na uva - 4 resgatados
Total de 42 argentinos resgatados de situação análoga à escravidão. Informações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Fonte: GZH
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