Em um mundo cada vez mais digital, o acesso das crianças e adolescentes a conteúdos on-line, como sites de apostas (bets esportivas, ‘jogo do tigrinho’ e afins), é uma realidade crescente. Como a reportagem do Sul21 mostrou, essa exposição já causa preocupação dentro de escolas no Rio Grande do Sul.
A psicóloga infantojuvenil Laís Ribeiro, especialista na abordagem cognitivo-comportamental, compartilhou alguns pontos a serem levantados neste debate. O principal deles é o quanto estes “jogos” de apostas on-line impactam o desenvolvimento dos mais novos. Segundo ela, o uso abusivo da tecnologia pode resultar em prejuízos significativos no âmbito emocional e cognitivo dos jovens, afetando habilidades como controle de emoções, atenção e sociabilidade.
“O uso de tela e o uso da internet vai modificar tanto o funcionamento quanto a estrutura do nosso cérebro. E quando a gente fala sobre essa temática, não tem como não trazer que, quando estamos falando de crianças e de adolescentes, estamos falando de um cérebro que ainda não está 100% desenvolvido, um cérebro que ainda não está maturado”, explica a psicóloga.
Ribeiro também informa que o córtex pré-frontal, responsável por funções como tomada de decisão e manejo de impulsos, só atinge a maturidade por volta dos 25 anos. Portanto, a expectativa de que sujeitos menores de idade tenham um controle emocional semelhante ao dos adultos é irreal.
Neste sentido, também há o sistema límbico, parte do cérebro em que estão presentes os receptores de dopamina – ligada ao sistema de recompensa, o que significa que tem um papel importante em como sentimos prazer e motivação. Assim, para a especialista, “se a gente for olhar, por exemplo, para 10 minutos apostando on-line e 10 minutos lendo um livro, a descarga de dopamina que a gente vai receber é muito diferente, vai ser muito maior nos 10 minutos apostando. Então, é uma competição muito injusta, se a gente for parar para pensar, né? Porque a descarga de dopamina vai ser maior”.
Conforme a psicóloga, é como se o sistema límbico enviasse um sinal para o córtex pré-frontal, que então avalia se aquela ação é suficientemente recompensadora para ser repetida. Após uma aposta, há uma grande liberação de dopamina, e o córtex pré-frontal reflete: “apostar é ilegal, mas vamos repetir essa ação no futuro”. “Com o tempo, a gente vai ativando de uma forma muito intensa o nosso sistema de recompensa, e o que isso causa? Isso causa que o nosso cérebro precisa de uma dose cada vez mais alta para sentir aquela mesma sensação agradável. Então, a gente vai precisar apostar cada vez mais. A gente vai precisar de mais tempo apostando”, afirma.
Os impactos dos jogos de apostas são ainda mais complexos durante a adolescência, uma fase em que a influência dos grupos sociais é particularmente intensa. “No momento em que o adolescente está em uma turma em que a grande maioria está jogando, ele está muito mais suscetível a apostar também, não porque ele quer ou porque está interessado, mas para se incluir nesse grupo”, pontua Ribeiro. No âmbito escolar, também há o risco de que o desempenho caia, acarretando futuras perdas, como repertório de palavras reduzido, por exemplo.
Para lidar com esse emaranhado de complexidades, a profissional recomenda que as famílias e escolas adotem abordagens que vão além da proibição e do castigo. “Geralmente (as punições) só funcionam na presença do agente punidor, da pessoa que está castigando. Ou seja, a família, por exemplo, proíbe a criança ou adolescente de usar o celular. Ok, o adolescente não vai usar na frente do pai e da mãe, mas e na escola? Se chega na escola e o colega está utilizando o celular e oferece, será que o adolescente não vai usar?”, questiona.
Uma alternativa para isso, porém, envolve algo muitas vezes tido como complexo, o diálogo. “Para as famílias, eu penso que é importante conversar com a criança e com o adolescente, explicar os riscos do jogo, explicar as consequências que aquele jogo traz, estabelecer regras, estabelecer limites e discutir muito sobre as dúvidas que a criança e o adolescente têm”, sugere Ribeiro. Para ela, não há vantagem alguma em dizer “não” sem quaisquer explicações. É necessário “trazer essas discussões para a mesa” e tentar entender o que estes “jogos” estão representando emocionalmente para os usuários.
Também é recomendado que haja bastante tempo de qualidade em grupo, seja na escola ou em casa. Para atrair a atenção das crianças e adolescentes e os manter distantes do uso excessivo de celulares e aplicativos, é necessário oferecer atividades alternativas que sejam igualmente envolventes. Ou seja, momentos dedicados a interações positivas e significativas, o que é um grande reforçador (motivador) para eles.
A conscientização sobre o próprio uso de tecnologia por parte dos pais ou responsáveis é outra característica muito importante, segundo a Ribeiro. “Os pais apostam, os pais utilizam esses jogos, os pais ficam muito tempo on-line… As crianças aprendem observando, e a família é referência. […] É importante se questionar sobre o seu próprio uso: ‘O que eu estou passando de exemplo?’ Porque isso é essencial também”, ressalta.
No ambiente educacional, a psicóloga defende a promoção de um ambiente de conscientização nas escolas e nos contextos que as crianças e adolescentes estão inseridos. “Promover debates e poder trazer pessoas que conversem com as crianças sobre o uso de tecnologia e sobre o uso desses jogos é fundamental. É importante promover um ambiente em que as crianças e os adolescentes consigam expressar suas opiniões e entender por que aquilo ali é prejudicial para elas”, diz.
Em complemento, ela menciona o quão importante é que haja esse “porto seguro” na escola, para além das proibições. “Claro que a regra é extremamente importante, o limite é extremamente importante, mas isso deve ser aliado a essa explicação, a esse espaço de acolhimento”, fala.
Para a psicóloga, ao participar de atividades como fazer cartazes ou montar peças de teatro, os alunos se tornam “protagonistas” no processo de aprendizagem, e isso os leva a refletir sobre os temas de forma mais profunda. Além disso, envolver os pais nas apresentações reforça o engajamento da família. “Isso tudo é muito interessante, porque coloca eles para pensar a respeito. Fingir que não existe e proibir, geralmente, vai ter pouca eficácia. É bacana poder colocar os alunos para o debate”, afirma.
As diversas vertentes do tema, ainda, exigem um olhar atento e cuidadoso por parte de adultos, educadores e profissionais de saúde. Em casos em que ocorra a percepção de que “algo não está certo”, e que o “às vezes” está se tornando um vício, é recomendado procurar auxílio especializado.
“Eles (os jovens) ainda estão aprendendo muita coisa, eles precisam do suporte dos adultos. Tem que ter esse olhar atento para eles. E, no momento em que os adultos também não sabem muito o que fazer, porque acontece, às vezes os adultos vão pensar: ‘Poxa, eu não sei o que fazer. Estou na dúvida, não sei o que faço. Estou preocupado’. É importante buscar suporte também”, pontua a psicóloga.
Fonte: Sul21
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