A Luta de pais e profissionais pela conscientização e inclusão dos Autistas
- Mariana Santos
- há 12 horas
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No Programa Start News deste mês de abril, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) foi pauta na Start, não só pelo mês ter no dia 02 ser o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, mas pela relevância do tema de trazer esse assunto ao conhecimento da sociedade e mostrar o relato das famílias e suas dificuldades e lutas diárias de quem convive com o TEA em sua vida. Os convidados foram a nutricionista e especialista em seletividade alimentar infantil, Letícia Rinaldi e Tiago Modesto, que é pai atípico e também diagnosticado com TEA. Ambos compartilharam suas experiências e desafios, destacando a importância do diagnóstico precoce e da acessibilidade dos tratamentos.
Tiago, que é pai de dois filhos com TEA, relata que recebeu seu diagnóstico no final de 2023, revelou que o diagnóstico de sua filha foi o ponto de partida para a descoberta de sua condição. "Foi através da minha filha que comecei a fazer os testes e, no final do ano passado, o diagnóstico foi fechado", contou Tiago, refletindo sobre o impacto que o diagnóstico teve em sua vida pessoal e familiar. Ele mencionou, que ao entender seu próprio comportamento e estudar mais sobre o transtorno, pôde começar a lidar melhor com as dificuldades que sempre enfrentou. "Na minha época, não havia muita informação sobre o autismo e a sociedade não estava preparada. Meus pais não sabiam o porquê certas coisas aconteciam comigo", revelou.
A luta por mais apoio e compreensão é uma constante para pais e familiares de crianças com TEA. Modesto destacou como, ainda hoje, muitos pais enfrentam resistência ao diagnóstico de autismo, seja por falta de informação ou pelo estigma social. "Autismo não é uma doença, é um transtorno. Não tem cura, mas tem tratamentos que ajudam a pessoa a se adaptar", explicou, alertando sobre a importância de entender as especificidades do transtorno e da aceitação de suas características.
Letícia Rinaldi, especialista no método ABA, falou sobre a eficácia do tratamento para crianças e adultos com autismo. "O ABA (Análise Comportamental Aplicada) é um método que se utiliza de avaliações feitas através de brincadeiras, aplicadas por terapeutas, psicólogos e outros profissionais para monitorar o desenvolvimento e as dificuldades das crianças", explicou Rinaldi. A especialista também destacou a importância de adaptar o tratamento para diferentes áreas, como a nutrição, pois muitos autistas enfrentam dificuldades alimentares, como seletividade alimentar, que pode incluir a recusa de certos alimentos devido à textura, cor ou cheiro.
A nutrição é um aspecto fundamental para o bem-estar de pessoas com autismo, como mencionou Letícia. Cerca de 85% a 90% das pessoas com TEA enfrentam dificuldades alimentares, o que pode impactar a saúde e o desenvolvimento. Tiago compartilhou a experiência de seus filhos, que enfrentam desafios relacionados à alimentação. "Minha filha não come feijão há mais de três anos, e meu filho tem dificuldades com frutas, como morango. Precisamos trabalhar alternativas para garantir que eles recebam os nutrientes necessários", disse.
Além das questões alimentares, o comportamento também é uma preocupação central. Tiago falou sobre a agitação e dificuldades de seu filho em lidar com a frustração, algo comum em muitas crianças com autismo. "Ele tem dificuldade em aceitar um 'não'. Em alguns dias, é bem difícil, mas estamos aprendendo a lidar com isso", contou, destacando o impacto da medicação e das terapias para melhorar o comportamento de seus filhos. Tiago, por sua vez, destacou como, ao longo dos anos, a sociedade ainda carece de compreensão sobre o autismo. “A maioria das pessoas não sabe como lidar com a situação, e por isso, muitas vezes, ficam sem perguntar ou entender. Isso precisa mudar”, afirmou. Ele também ressaltou que, ao longo do tempo, o tratamento precisa ser adaptado às necessidades de cada fase da vida.
O Despreparo Social e o Enfrentamento da Ignorância
Uma das questões mais debatidas foi o ainda persistente preconceito social em relação ao autismo. Tiago contou sobre uma experiência pessoal em que se deparou com uma situação de total ignorância em um supermercado, onde um funcionário ignorou a fila preferencial destinada a pessoas com deficiência, o que gerou frustração em quem estava acompanhando a situação. “Muitas vezes, a sociedade não está preparada para lidar com a diversidade. Ainda vivemos num mundo onde o preconceito e a ignorância caminham juntos”, afirmou Tiago.
Letícia compartilhou experiências de momentos em que a incompreensão se tornou visível. “Já vi crianças com autismo se atirando no chão em vias públicas, e pessoas ao redor comentando de forma inadequada, sem entender o que estava acontecendo. A verdade é que a reação de uma criança com autismo pode ser desencadeada por fatores como barulho ou estímulos sensoriais, mas poucas pessoas sabem disso”, explicou.
A Luta por Acessibilidade e Apoio às Famílias
Outro ponto crucial na rotina dos autistas é a dificuldade de acesso a tratamentos e terapias adequadas. A nutricionista falou sobre as dificuldades que muitos pais enfrentam ao ter que percorrer grandes distâncias para garantir um atendimento adequado para seus filhos. "Eu sou proprietária de uma clínica, e o que estamos buscando é centralizar atendimentos em um único local. Isso facilita a vida das famílias, especialmente aquelas que não têm condições de ficar indo de um lado para o outro", disse ela. Além disso, foi mencionada a importância de oferecer suporte psicológico e emocional aos pais, que frequentemente se sentem sobrecarregados. "No final do dia, quem apoia os pais? Eles também precisam de acolhimento e apoio contínuo", observou Rinaldi.
A escassez de profissionais qualificados também é um problema recorrente. “Muitas vezes, falta profissionais competentes para trabalhar com crianças com autismo. E quando esses profissionais estão disponíveis, os custos são elevados”, comenta Letícia Rinaldi. Segundo ela, o custo dos atendimentos especializados é um desafio constante para as famílias. Consultas com especialistas podem variar de R$ 100 a R$ 200 por sessão, e como o tratamento exige acompanhamento contínuo, o valor se torna inviável para muitas famílias, que frequentemente se veem forçadas a abrir mão de outras necessidades básicas para bancar os custos com a saúde de seus filhos.
A situação se agrava para aqueles que não possuem condições financeiras para arcar com os custos de tratamentos particulares. Letícia, que tem uma clínica com preços mais acessíveis para essas famílias, afirma que muitos pais e mães de crianças autistas deixam de trabalhar ou alteram suas rotinas para acompanhar os filhos em atendimentos, o que aumenta a pressão sobre a renda familiar. “Muitas vezes, o que acontece é que os pais, por não conseguirem deixar os filhos em creches ou escolas, precisam estar presentes o tempo todo. Isso gera uma carga imensa para essas famílias, que já enfrentam dificuldades financeiras”, explica Letícia.
A luta por acessibilidade no atendimento especializado é um tema recorrente nas discussões sobre políticas públicas. A especialista destaca que, embora o SUS tenha iniciativas como o Projeto do Governo do Estado “TEAcolhe”, que oferece tratamentos especializados para crianças com autismo, ainda há uma grande escassez de clínicas que disponibilizam esse atendimento. A qualidade do atendimento, aliada aos altos custos de terapia e medicação, torna-se um desafio difícil de ser superado, principalmente para quem depende do SUS.
Outro ponto abordado durante a conversa foi o impacto de cortes em benefícios sociais, como o LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social), que afetam diretamente famílias de crianças com autismo. Segundo Tiago, o LOAS, muitas vezes a única fonte de renda de famílias em situação de vulnerabilidade, é fundamental para garantir a sobrevivência dessas crianças e suas famílias, e qualquer tentativa de corte compromete ainda mais o acesso ao tratamento necessário.
Letícia e Tiago, além de viverem essa realidade, buscam ajudar outras famílias a encontrarem seus direitos, lutando pela ampliação de informações e pela garantia de um atendimento mais digno e acessível. “Muitas famílias nem sabem que têm direito a certos benefícios. Há uma enorme falta de informação, e muitas vezes as pessoas não têm força para correr atrás dos seus direitos”, afirma Letícia, enfatizando a importância de se promover o conhecimento sobre os direitos das famílias com crianças autistas.
A conversa também trouxe à tona a preocupação com o futuro dessas crianças à medida que crescem. “Quando a gente faltar, quem vai cuidar deles?”, questiona Tiago, refletindo sobre o receio de muitos pais em relação à falta de suporte adequado para seus filhos quando não puderem mais estar presentes. A responsabilidade recai, muitas vezes, sobre irmãos, tios ou amigos próximos, mas a dúvida sobre quem ficará com esses autistas no futuro é uma angústia constante para muitos pais.
Apesar dos desafios, Tiago e Letícia destacaram a importância da conscientização e do apoio coletivo para enfrentar essa batalha. “É preciso que a sociedade se mobilize e pressione o poder público para que as políticas de saúde e assistência social melhorem”, conclui Tiago. Para as famílias que lidam com o autismo, o caminho ainda é árduo, mas a luta por uma sociedade mais justa e inclusiva é constante.
A conscientização sobre o autismo e a luta por inclusão continuam sendo temas urgentes. A jornada é longa, e é necessário um esforço contínuo para garantir que pessoas com TEA tenham o apoio e os recursos adequados para uma vida plena e inclusiva.
Da Redação www.startcomunicacaosl.com.br - Por Mariana Santos - Jornalista MTB 19788/RS
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