O senso comum ganhou. Infelizmente chegamos num ponto sem volta. Ainda que o candidato da oposição seja eleito, a votação para o congresso de 2022 se tornou a expressão de uma sociedade atrasada e com os olhos voltados ao chamado “antigo regime”, no qual a religião e o poder político andavam juntos e ditavam até o que se podia pensar.
O Brasil conseguiu dar um salto para o passado. Stefan Zweig escreveu um livro na década de 1930 chamado “Brasil: país do futuro”, agora nós vemos uma outra escrita, “Brasil: país do passado”, segundo a qual haveria um suposto passado glorioso e conservador, livre de todo “mimimi” das minorias, que só existe na cabeça de indivíduos recalcados e que se negam a perceber o fim visível entre duas retas como pura ilusão de ótica, e imaginando que no fim do horizonte existiria a borda gelada de uma terra plana.
Infelizmente, sim, infelizmente é o tempo no qual a insistência em negar um país estruturalmente desigual se cristalizou na desresponsabilização de cada um por meio de uma suposta ideia de igualdade que apenas alimenta as veias subterrâneas de um racismo à brasileira, de um ódio perene à impessoalidade, de insistência à falta de caracterização social dos indivíduos, como dizia Mário de Andrade, de manutenção do brasileiro e da brasileira como macunaímas, pessoas que aderem a discursos que melhor as aliviem da responsabilização individual com a coletividade; sim, chegamos a esse tempo no qual o “Brasil: país do futuro” se torna “o país do passado”, mas de um passado trágico e, ao mesmo tempo, cômico; pois, neste tempo imerso de passado, um presidente bufão e produtor de farsas moralistas “explode”, como bem intentou ainda quando militar, as adutoras do ressentimento bruto que correm pelos subterrâneos de uma sociedade inculta, como descrita por Machado de Assis, cuja única capacidade intelectual é decorar fórmulas e algumas sentenças, e que está “longe de trazer arraigada no cérebro” os horizontes dos valores da república, fazendo romantismo prático, à la Nelson Rodrigues, e liberalismo teórico, à la Partido Novo.
Sim, o terrorismo de Bolsonaro explodiu as adutoras do ressentimento bruto que regulavam essa macunaimez contida. Cabe a todos e todas que ainda alimentam esperanças de um país guiado por igualdade e justiça, de fato, não simplesmente de direitos, a atividade em favor da liberdade humana, da liberdade do indivíduo enquanto corpo e enquanto sujeito de direitos, isto é, de indivíduos que se caracterizam pela liberdade como possibilidade educativa para aquilo que desejam ser enquanto seres de dignidade.
Não uma liberdade para condenar o seu semelhante, para impor ao seu semelhante a dessemelhança, mas uma liberdade caracterizada por toda e qualquer resistência a formas fanatizadas de religião ou de política, resistência às formatações não pensadas, não dialogadas e irracionais de convivência social. Enfim, a própria liberdade requer de cada pessoa esclarecida, que entende que a religião é uma questão pessoal e não razão pública, a necessária resistência a essa insistência ao senso comum, isto é, ao não pensamento, essa preguiça secular do povo brasileiro em pensar criticamente.
Hélio Teixeira, é Escritor e Pesquisador
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