Quando começa a história de um território? Nos milhões de anos pretéritos em que se estabeleceram sua formação geológica e suas paisagens geográficas? Ou quando os primeiros pés humanos o pisaram e aconteceram as decorrentes emoções, conflitos, incertezas, amores e dissabores das almas carregadas pelos mesmos? Ou ainda, seria quando estas almas se identificaram como comunidade, como sociedade que delimita e transforma o território em lar?
O problema permanente na história é demarcar o espaço-tempo para análise e narrativa, na medida em que, no seu dançar dialético em espiral, de causas e consequências é sempre difícil encontrar um ponto donde se pode começar sem deixar nos levar a um tempo anterior, diante das necessidades de explicar como o alcançamos. Diria impossível sem uma decisão arbitrária, ou no caso, movida por uma disposição cultural.
Neste sentido, embora todos os estágios elencados pelos questionamentos anteriores, dependendo do ponto de vista, possam ser reconhecidos como verdadeiros, prefiro delimitar como início da história deste território chamado São Leopoldo a chegada dos imigrantes germânicos em 1824, não apenas por suas virtudes, mas principalmente pelo próprio significado daquele contexto histórico, marcado por uma mudança de paradigma em relação a estas terras.
Naquele momento, São Leopoldo inicia sua transição de um território explorado predatoriamente (aos moldes do padrão mercantilista) para um lugar que vai ser hegemonizado por pessoas que queriam (e precisavam) o transformar em lar permanente e, desta forma, passam a buscar o seu desenvolvimento intrínseco, voltado a atender prioritariamente às necessidades locais e sua afirmação como comunidade.
Evidente que isto não invalida a importância da sua história pregressa, da existência dos povos indígenas (que foram dizimados e expulsos), dos colonizadores portugueses e os africanos que foram trazidos como escravos.
Na verdade, acredito que esta realidade originária foi determinante para que tivéssemos um desdobrar histórico de pluralidade étnico-cultural e que nos levou a se tornar uma cidade cosmopolita na atualidade. Uma cidade de braços abertos!
Nesta perspectiva, é de se estranhar a tentativa cada vez mais explícita de desassociar a história de São Leopoldo da Imigração Alemã, dentro do contexto do Bicentenário, principalmente, calcada em formalidades burocráticas na interpretação histórica. Um município não passa a existir quando se decreta sua existência, mas sim quando se entende e se reconhece como tal.
A grandeza da chegada dos imigrantes germânicos por estas paragens não reside na sua condição étnica, muito menos nas intenções deploráveis do Império de “embranquecimento” da população brasileira, mas nas suas contribuições como trabalhadores e trabalhadoras que; com seus saberes, seu trabalho, sua fé e sua cultura, em conjunto com todos que aqui já viviam e continuariam a viver, transformaram São Leopoldo e a tornaram uma referência na construção desta nação chamada Brasil.
Marcel Frison, é Secretário Municipal de Cultura e Relações Internacionais de São Leopoldo/RS
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